Quando o rolo sobre o limite na banda larga fixa não poderia ficar pior, as mais recentes declarações do presidente da Anatel João Rezende só têm piorado as coisas. Como se não bastasse ter dito que “a era da internet ilimitada acabou” e que “o consumidor está mal acostumado” com a suposta mordomia, ele agora arranjou o bode expiatório perfeito.
E se você pensou em gamers, acertou.
Numa coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira, Rezende voltou a fazer duras críticas ao consumo de dados pela população, alegando que não só aqueles que mais usam a internet devem ser penalizados em detrimento dos que usam pouco e que a limitação de banda é benéfica ao consumidor (tsc), o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações declarou que aqueles que usam a internet para jogar online seriam basicamente os principais responsáveis pela situação atual, por “gastarem muita internet”. Como se conexão de dados fosse algo que gastasse.
Enfim, os principais pontos da coletiva estão no vídeo abaixo:
https://youtu.be/K4hGLPBq5MY
Destacamos aqui os trechos mais contundentes:
“Não há nenhum serviço que seja ilimitado (…) e a regulamentação da Anatel autoriza a cobrança e limites de franquia.”
Até concordo nesse ponto: Vivo, Net e Velox prevêem em seus contratos a aplicação de franquias de dados. Até aqui não há discussão, a implantação não é ilegal. O problema é como isso será feito. Da forma que as operadoras querem agir e a Anatel está dando respaldo (e aí reside o principal problema) nós pagaremos muito por um serviço ridículo, com franquias de dados que não atendem nem o mais comedido dos consumidores.
Uma conexão de 4 Mb/s (meu caso, embora seja contrato antigo mas já chegarei lá) com franquia de 50 GB, que é o que a Vivo propõe oferecer é ridículo, eu costumo consumir duas, três vezes disso por semana e não necessariamente com downloads propriamente ditos: streaming, cache, mensagens de voz e texto, atualizações de segurança, tudo conta como tráfego.
Como as três grandes possuem canais de TV por assinatura, é um tanto evidente que o movimento foi tomado simultaneamente para frear a Netflix e outros serviços de streaming, bem como também reduzir a pirataria entrando em conformidade com o que deseja a indústria do copyright. A Anatel, cuja principal função é proteger o interesse do consumidor está não só passando a mão na cabeça como pondo a culpa no consumidor, alegando que ele é imprudente e mal acostumado. Foi a mesma desculpa dada ao acabar com a internet móvel ilimitada.
É basicamente um cartel, com a aprovação da Anatel.
“Tem gente que adora, fica jogando o tempo inteiro e isso gasta um volume de banda muito grande. E é evidente que algum tipo de equilíbrio há de se ter porque, senão, nós teremos o consumidor que consome menos pagando por aqueles que estão consumindo mais.”
Esta é uma bela falácia de Rezende. Se considerarmos apenas a internet consumida por um console de última geração conectado o tempo todo a jogatina online é a atividade que menos ocupa a banda. Em 2014 um usuário do Reddit monitorou seu consumo de dados e concluiu que a atividade de seu videogame que mais devorava sua franquia era a de downloads propriamente ditos, sejam de jogos digitais ou os de atualizações de títulos e de sistema. O streaming vinha logo após e a conexão online para jogos era a última.
Rezende basicamente disse o que disse para mais uma vez fazer dos gamers o bode expiatório da vez: “a culpa é dessa cambada que vive jogando o dia inteiro, por causa deles minha internet será cortada yada yada yada”. Uma tentativa de desviar o foco ao acusar outro grupo de ser o culpado por problemas de falta de investimento em infraestrutura, que são reais mas ao mesmo tempo fruto de anos de negligência.
“Nem todos os modelos cabem (em um modelo de) ilimitação total de serviço, pois não há rede que suporte os aplicativos que estão à disposição do usuário hoje (…). É essa questão da propaganda, do ilimitado e do infinito que é um negócio que acabou desacostumando o usuário”
Mais uma vez Rezende afirma que a culpa é do usuário por estar mal acostumado, e que ele deveria se conformar em não ter internet decente mesmo pagando uma fortuna. A questão principal não é a imposição da franquia, isso já está se tornando corriqueiro no mundo. O problema maior são os planos. Os oferecidos são ridículos e não há modelos de expansão acessíveis ou de taxas adicionais para a contratação de um módulo ilimitado (até porque se o plano é mesmo barrar a Netflix, não seria interessante oferecer um pacote que todo mundo contrataria).
Resumindo, estamos ferrados. Ou nem tanto.
O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) ficou meio fulo da vida com as recentes declarações de Rezende e de outros representantes da Anatel, e em discurso no Plenário nesta terça-feira convocou o presidente do órgão para prestar esclarecimentos. O clima não era nada suave, ele foi referido várias vezes de forma jocosa por Oliveira e outros senadores lembraram mais de uma vez que a agência deve proteger o consumidor, e não lesá-lo conforme se observa ao ficar de conluio com as operadoras.
Oliveira diz que é função do Senado reverter essa situação se necessário, e chegou inclusive a defender o fim do mandato de Rezende à frente da Anatel. Climão mesmo.
Para adicionar insulto à injúria o governo federal, através do Ministério das Comunicações vai EXIGIR que as operadoras mantenham o fornecimento de internet ilimitada aos consumidores, mas calma: a previsão de limitação da internet em contratos novos permaneceria (as operadoras seriam proibidas de alterar ou quebrar os antigos, algo que é previsto e a Anatel autoriza – lembra quando eu disse que mesmo clientes antigos não estão seguros? É por isso), além do que plano ilimitado seria outro separado (muito provavelmente bem caro) ou um pacote adicional de adesão aos existentes, como acontece nos EUA: você paga US$ 50 numa internet com 500 GB de franquia e um adicional de US$ 30 para ter downloads ilimitados.
O MinCom também deseja que sejam criados mecanismos que permitam que o usuário monitore seu consumo, algo que o próprio Rezende também diz que é necessário. De novo, tais exigências não impedem a adoção do modelo de franquias, mas obrigam as operadoras a continuarem a oferecer um pacote ilimitado. O termo deve ficar pronto hoje e ao ser questionado, o Ministro das Comunicações André Figueiredo disse que “a operadora” (muito provavelmente a Vivo) já foi orientada e concordou com as exigências, e que a Anatel é a próxima a levar um puxão de orelha.
O que fazer?
Petições, panelaço e vídeos mal educados não resolvem. Esqueçam. Nada disso afeta quem está no exercício do poder. O que pode ser feito é pressionar aqueles de direito (deputados, senadores) para que defendam os direitos do consumidor. Parece ridículo dizer isso, mas é para isso que eles foram eleitos.
É bom também lembrar das operadoras que estão jogando do lado do consumidor, ao menos por enquanto:
Algar Telecom (empresas no DF, mas atende residências em algumas cidades do interior de GO, MG, MS, PR, RJ, RS, SC e SP);
BR27 (PB e SE);
Cabo Telecom (RN);
COPEL (PR);
COPREL Triway (RS);
GD Internet (Feira de Santana/BA);
GIGA Internet (algumas cidades do RS);
Live TIM (RJ e SP);
Mob Telecom (BA, CE, MA, PA, PB, PE, PI e RN);
Multiplay (Fortaleza/CE);
NAXI Fibra (Jaraguá do Sul/SC);
Unifique (SC);
SercomTel (PR);
VescNet (PE).
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Fonte: MEIO BIT
Créditos: MEIO BIT