Ao recusar-se a comparecer para prestar depoimento ao Ministério Público, Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão exemplar de resistência contra abusos cometidos pela Lava Jato. É um gesto excepcional numa situação de exceção escancarada.
Não custa lembrar que há uma semana, julgando um pedido da defesa para que o procurador Cassio Conserino fosse afastado das investigações sobre Lula, o Conselho Nacional do Ministério Público tomou uma decisão com base na melhor jurisprudência de Pôncio Pilatos. Reconheceu que a escolha de Conserino não atendera os preceitos elementares da boa Justiça, que envolvem a escolha procurador natural – termo empregado para definir a opção mais neutra possível.
O Conselho definiu que o Ministério Público de São Paulo deve cuidar para que esses critérios sejam obedecidos – obrigatoriamente — em todo caso a ser investigado. Mas abriu uma exceção para que uma decisão baseada em bons princípios democráticos ficasse limitada ao plano da teoria. Na mesma resolução, decidiu-se que a regra só deveria valer para casos novos. Assim, na mais relevante – do ponto de vista político – investigação do Ministério Público de São Paulo, imperam regras que o Conselho Nacional considera erradas. Não é apenas absurdo, pois equivale a legalizar um erro admitido e reconhecido por todas as partes, num texto aprovado por unanimidade. Também permite um tratamento de exceção quando a Constituição garante que todos são iguais perante a lei.
A atitude de Lula coloca o debate sobre a Lava Jato no plano adequado. Há muito tempo se pode demonstrar que a operação deixou de ser uma investigação necessária contra denúncias de corrupção na Petrobras. Tornou-se uma ação de caráter político e seletivo, destinada a perseguir e lideranças ligadas ao Partido dos Trabalhadores e aos governos Lula-Dilma e seus aliados, inclusive grandes empresários que participaram de um projeto que permitiu o crescimento interno, ampliou investimentos produtivos e estimulou a criação de um mercado de massas.
Ao demonstrar a disposição de resistir a uma situação de abuso, Lula está enviando uma mensagem clara ao país. Fala de injustiça numa linguagem que o cidadão comum pode entender. Todo mundo é favorável ao cumprimento da lei, mas ninguém, em especial os mais pobres, deixa de reconhecer uma situação de perseguição e a injustiça, em particular contra aqueles que se mobilizaram na defesa dos mais fracos.
O destino do publicitário João Santana, em Curitiba, realizada depois que ele fez sucessivos pedidos — voluntários — de prestar esclarecimentos ao juiz Sérgio Moro, e mesmo assim foi preso sem que sua culpa tenha sido formada, mostra com clareza solar o ambiente político em que o país se encontra.
O que se pretende é usar a prisão como forma de coerção psicológica para obrigar pessoas suspeitas a se autoincriminar e delatar contra a própria vontade, o que a Lei não permite. As prisões podem ser legais. Sua finalidade não é.
O estudo das grandes tragédias políticas deixa uma lição comum: os abusos, a violência e os ataques as liberdades públicas e direitos individuais sempre serão mais intensos, mais graves, e mais duradouros, quanto menor for a resistência oposta a eles.
Já a vergonha das novas gerações costuma crescer na exata proporção em que se verifica a omissão daqueles que tinham a responsabilidade de reagir.
Até hoje se discute se os líderes do governo Goulart deveriam ter reagido, ou não, ao golpe de 1964.
Não há dúvida de que o silêncio das vítimas do terror de Josef Stalin, na década de 1930, foi de grande valia para a consolidação de uma ditadura na antiga União Soviética, que chegou a enviar dissidentes para campos de concentração e também interná-los em campos psiquiátricos.
Sem abandonar, por um minuto, a condenação do nazismo, estudiosos do século XX ponderam se as lideranças judaicas poderiam ter sido mais atuantes na atuação contra Adolf Hitler.
As imensas diferenças entre estes casos e a atual situação brasileira são evidentes. Não precisam ser mencionadas. Fica o ensinamento básico de que o silêncio só favorece o opressor.
Essa é a importância da reação de Lula.
Fonte: Brasil 247