Além das pesquisas para produção de uma vacina contra o vírus zika, o Instituto Butantan pretende também produzir um soro antizika, que será disponibilizado às grávidas infectadas pelo vírus. O objetivo é impedir possíveis danos neurológicos causados pelo vírus ao bebê ainda na barriga da mãe, como a microcefalia. O projeto está em fase inicial e aguarda aprovação de financiamento do governo federal. “Se todas etapas derem certo, começamos a experimentação em pessoas em menos de um ano”, afirma o imunologista Jorge Kalil, diretor do Butantan.
A ideia é que o soro seja produzido com os anticorpos específicos para o vírus zika. O vírus que circula pelo Brasil foi isolado e está sendo reproduzido em cultura de células em laboratório. Esses vírus serão purificados, inativados (mortos) e depois injetados em cavalos. Espera-se, então, que o cavalo produza anticorpos contra o zika. Os anticorpos são extraídos do sangue do cavalo e purificados, para evitar contaminações. Esse é o produto final.
Quando uma pessoa fica doente, infectada com o vírus zika, por exemplo, ela produz anticorpos para combater esse vírus. O problema é que o processo de produção desses anticorpos leva tempo suficiente para permitir que o vírus ultrapasse a placenta e cause danos ao feto, no caso das gestantes. Na teoria, o soro já traria os anticorpos prontos, capazes de eliminar os vírus rapidamente, impedindo complicações ao bebê. “Isso só vai funcionar se o soro for administrado logo no começo da doença”, diz Kalil. Para que a estratégia funciona, é necessário que o acompanhamento pré-natal das gestantes no primeiro trimestre da gravidez seja feito de perto e que esteja disponível um teste sorológico eficiente para identificar com rapidez casos de infecção pelo vírus zika. Estimas-se que 80% dos casos são assintomáticos. Não adianta ter o soro se ele não for administrado a tempo. “O controle precisa ser bem forte, principalmente nas áreas mais afetadas”, diz Kalil.
Antes de ser disponibilizado às grávidas, é necessário cumprir algumas etapas de pesquisa. De início, os vírus inativados são injetados em animais pequenos, como ratos e camundongos. Aqui começa a ser avaliado o potencial dos anticorpos gerados para produção de um soro. Se der certo, aumenta-se a escala. Os testes são feitos em cavalos. Se os anticorpos produzidos forem do tipo neutralizante, produz-se o soro em grande quantidade. Esse soro passa por um processo para purificar as imunoglobulinas, fragmento do anticorpo que ultrapassa mais facilmente as barreiras dentro do organismo. A partir daí começam os testes para avaliar a ação do soro. Ainda não há modelos animais definidos para esses testes, mas é possível que eles sejam feitos com macaco rhesus, em que será avaliado se o soro impede o dano encefálico em fetos de fêmeas infectadas por zika. Além de avaliar a viabilidade dos anticorpos produzidos pelos cavalos e a ação do soro, o produto passará por toda bateria de testes necessários para certificar que ele é seguro para uso em humanos. Se o resultado de todas as etapas for positivo, o soro passa a ser administrado em mulheres grávidas que tiverem zika.
O Butantan não tem estimativa de valores para o projeto, pois ainda é necessário identificar a melhor espécie animal em que serão feitos os testes com soro. Talvez os testes com o macaco rhesus tenham que ser feitos fora do Brasil, já que o biotério do Butantan não dispõe de animais desse tipo. Também é possível fazer em outros laboratórios no Brasil, ou investir em infraestrutura dentro do próprio Butantan para abrigar esses animais. O restante da infraestrutura para a pesquisa já está montada. Outro ponto ainda em aberto é grupo de trabalho. A equipe do Butantan é pequena e será necessário contratar mais pesquisadores para desenvolver a pesquisa.
É possível que o resultado das pesquisas iniciais não sejam favoráveis. Como a pesquisa está no início, ainda não se sabe se os anticorpos presentes no soro serão capazes de passar a placenta e a barreira protetora do cérebro do feto e protegê-lo contra o vírus. Esses aspectos serão avaliados durante o desenvolvimento do projeto. Também não se sabe quais as concentrações efetivas do soro para impedir os danos ao feto. Outros aspectos que devem ser avaliados são o tipo e a quantidade de anticorpos produzidos pelo cavalo, que podem não ser adequados à produção em grande quantidade do soro.
O uso do soro também poderia ser feito em grande escala, não só por grávidas, mas pela população em geral infectada pelo vírus. Dessa maneira o ciclo humano-mosquito-humano seria interrompido: se não houver mosquito com zika, cai o número de infecções. Mas os gastos de produção nesse caso seriam muito altos. Uma possível solução para aumentar a produção é a síntese de anticorpos monoclonais. Se o soro purificado do cavalo funcionar, é possível que as pesquisas continuem para o desenvolvimento do anticorpo por células em laboratório, não sendo mais necessário o cavalo. A produção de anticorpos monoclonais é feita a partir de uma única célula do sistema de defesa de pessoas que foram infectadas por um determinado invasor. Elas são clonadas e produzem somente anticorpo para esse invasor específico. “O custo desse tipo de produção é alto no início, mas depois é possível baratear”, afirma Kalil.
Fonte: Época