Sentença de primeiro grau afirma que Dolores Consuelo Zigler, que alegou ter fumado dois maços de cigarro por dia durante quase 50 anos, ‘não escolheu o vício, nem a doença’
Na ação, Dolores informou que o vício lhe causou complicações pulmonares. Em decorrência do tabagismo, conforme atestado médico que juntou aos autos, sofre de “obstrução do fluxo ventilatório”. A juíza Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, da 15.ª Vara Cível da Capital, fixou a indenização em R$ 20 mil ao reconhecer “nexo causal” entre o cigarro e a doença de Dolores.
A Souza Cruz é líder no mercado de cigarros no Brasil e integra o grupo British American Tobacco, com marcas comercializadas em 180 países.
A Souza Cruz informou que já recorreu da sentença, dada em 5 de dezembro. Segundo a empresa, “em todo o Brasil, já foram proferidas mais de 500 decisões que rejeitaram ações como esta e todos os casos encerrados tiveram decisões definitivas que afastaram os pedidos indenizatórios”.
“A autora (Dolores Consuelo Zigler) não escolheu o vício, nem a doença”, assinalou a juíza da 15.ª Vara Cível de São Paulo, na sentença. “Não podia escolhê-los, porque não tinha informação suficiente sobre o fato quando lhe foi oferecida a compra de cigarros pela ré (Souza Cruz). E não se argumente que não há dificuldade em parar de fumar, ou que esta ou aquela porcentagem de norte americanos é formada por ex-fumantes que não utilizaram remédios.”
Celina Dietrich faz uma reflexão. “É claro que a intensidade da dependência varia de pessoa para pessoa, assim como a dificuldade de livrar-se dela. Entretanto, em nenhuma hipótese é possível dizer-se que um fumante viciado, e fumando dois maços de cigarros por dia, não tenha dificuldades para parar de fumar. Se fosse assim tão fácil, ninguém se disporia a pagar para ingerir remédios caros e a enfrentar os seus efeitos colaterais visando deixar de fumar, e a indústria farmacêutica não se importaria em fabricá-los.”
“Quem já foi viciado que me contradiga”, afirma a magistrada.
A ação foi ajuizada quando Dolores tinha 63 anos. “Fumou por quase 50 anos, antes que se iniciassem as primeiras proibições ou limitações à propaganda de cigarros, e a veiculação de advertência nas caixinhas, visando coibir o fumo e fornecer informação suficiente aos consumidores, a fim de que pudessem efetivamente exercer alguma escolha”, assinalou a juíza. “E, da mesma forma, somente depois de mais de 40 anos é que a autora teve acesso a remédios que pudessem ajudá-la a parar de fumar.”
Para a juíza da 15.ª Vara Cível de São Paulo, “é evidente” que a Souza Cruz descumpriu o dever de informação disposto no artigo 6.º. inciso III do Código do Consumidor,vigente desde 1990. “Somente a partir do ano de 2001 (Souza Cruz) começou a inserir a informação sobre as doenças causadas pelo fumo em suas embalagens. Antes disso, não forneceu informação adequada sobre as características nocivas e os riscos apresentados pelo produto, nem comprovou que deles não soubesse. Ao contrário, admitiu-se ciente desses males, tanto que pretendeu se exigisse da autora o mesmo conhecimento.”
A juíza é taxativa. “Desta forma, considerada a prova do nexo causal entre o cigarro e a doença pulmonar adquirida pela autora e o acesso tardio às informações sobre os males do cigarro e aos remédios para parar de fumar, não há como se afastar a responsabilidade da ré. Diante do vício físico e psicológico causado pelo cigarro, aliado à falta de informação suficiente e à ausência de medicamentos adequados para curar a dependência, não se tem como concluir que a autora tivesse mesmo capacidade de escolha consciente que a impedisse de começar a fumar, ou que a fizesse largar o vício.”
Ao julgar procedente a ação, e admitir existência do dano moral, a juíza recorreu novamente ao Código do Consumidor e também ao Código Civil, e ponderou. “Não se discute, também, que seja lícita a atividade de vender cigarros exercida pela ré, e que o produto não contenha defeito, pois essas são questões irrelevantes diante da responsabilidade objetiva determinada pelo artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor e pelo artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, e que portanto independe da licitude do comportamento ou ainda da verificação da sua culpa do causador do dano, bastando o nexo causal entre o produto vendido e o dano, aliado à ausência de culpa de terceiro ou da vítima, para a caracterização de sua responsabilidade.”
“E não se olvide que a requerida (fabricante do cigarro) não forneceu ao consumidor todas as informações necessárias sobre o produto,mormente em se tratando da possibilidade de dano à saúde, portanto descumpriu a Legislação Consumeirista. O dano moral, por sua vez, é inafastável diante da doença enfrentada pela autora, mal físico infligido pelo consumo do produto fornecido pela ré. Para indenizá-lo, considerando grave o dano, e tendo em conta a função punitiva e pedagógica da verba, mas também o principio da moderação, fixo a quantia de R$ 20.000,00. Daí a procedência da ação.”
O valor da indenização terá correção monetária a partir da sentença e juros de mora desde a citação, mais as custas processuais e honorários advocatícios de 15% do valor da condenação.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO PAULO ESTEVES
O advogado Paulo Esteves, autor da ação contra a Souza Cruz, disse que a sentença da 15.ª Vara Cível da Capital, de 5 de dezembro de 2015, “abre caminho para outros fumantes pleitearem o mesmo direito”.
Paulo Esteves observou que mais importante que o valor da indenização a ser pago a Dolores Consuelo Zigler é que “muitos outros fumantes poderão seguir o caminho da Justiça para alcançar justa indenização pelos males sofridos”.
Nos autos do processo, segundo a juíza Celina Dietrich Trigueiros Teixeira Pinto, a Souza Cruz alegou que a decisão sobre fumar ou não coube unicamente à autora (Dolores) e que exerce atividade lícita.
Além disso, a sua propaganda “não obriga ninguém ao fumo”. A empresa argumentou, ainda, que o produto comercializado, por sua vez, “também não contém defeito algum e inclusive adverte sobre possíveis malefícios”.
A Souza Cruz destacou no processo que a autora da ação, quando começou a fumar, já sabia dos males causados pelo cigarro. Salientou que há muito são veiculados anúncios sobre os riscos do cigarro para a saúde. Finalizou sua contestação ponderando que, de qualquer forma, o cigarro não causa dependência física devastadora como ocorre com drogas pesadas como heroína e cocaína.
COM A PALAVRA, A SOUZA CRUZ
A Souza Cruz informa que já apresentou, no último dia 1.º de fevereiro, recurso contra a sentença proferida pela 15.ª Vara Cível do Fórum Central da Comarca de São Paulo, que condenou a empresa a indenizar Dolores Consuelo Zigler por danos associados ao consumo de cigarros. Caso a decisão seja mantida pela 15.ª Vara Cível, a empresa recorrerá ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).
A decisão é isolada e contraria o entendimento consolidado em diversos Tribunais de Justiça do País, inclusive no próprio TJSP e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já se pronunciaram diversas vezes de forma contrária a este tipo de demanda.
Em todo o Brasil, já foram proferidas mais de 500 decisões que rejeitaram ações como esta e todos os casos encerrados tiveram decisões definitivas que afastaram os pedidos indenizatórios.
Fonte: Estadão