'Fiquei isolado por medo da revolução', confessa Vandré; assista entrevista

Compositor paraibano fala sobre música e projetos futuros

O cantor e compositor paraibano, Geraldo Vandré, está em João Pessoa, após 20 anos fora do estado. Símbolo da revolta contra o regime militar imposto aos brasileiros na década de 60, Vandré concedeu entrevista ao jornalista Gutemberg Cardoso.

Vandré recebeu a equipe do Polêmica Paraíba no hotel onde está hospedado e falou sobre música, arte, poesia e sua vida no Sudeste. Ele evitou falar de política e afirmou que não vota há muitos anos, portanto, vive á margem de questões político-partidárias e revelou não ter interesse nesses assuntos.

Questionado sobre os projetos futuros e a produção de todos esses anos afastado dos holofotes, Vandré disse que não deixou de produzir, ele pontuou que tem poemas escritos, músicas e material vasto que não foi divulgado.

Leia a entrevista e veja o vídeo abaixo:

GUTEMBERG CARDOSO: Eu tô errado ou você tá um cara feliz por ter voltado a Paraíba? 
GERALDO VANDRÉ: Eu gosto daqui, tem um escritozinho que diz na plataforma continental do Atlântico Sul aos 7,5° do equador, a casa do caçador, ali deixo-me estar, desde que sou.

Você também domina geografia e Cartas Náuticas?
Muito pouco. Eu gosto de aviação.

Esse reencontro depois de 20 anos nos passa sua felicidade, a gente vê que você está feliz. E você vem propor projetos.
Isso foi uma coincidência, eu vim para a história do festival. Tive a possibilidade com os encontros que tive com o governador Ricardo Coutinho, aflorou-me a ideia já antiga de um construir poema sinfônico com a Orquestra Sinfônica da Paraíba. Isso ficou mais ou menos encaminhado, se tudo der certo eu devo voltar no inverno, a partir de maio.

O inverno tem a ver com o projeto também?
Eu não gosto de frio e eu aproveitaria para sair do Sul, que é frio lá e aqui não é tão quente.

O maestro será o Julio Medaglia?
Estamos pensando nessa possibilidade. Aproveitar quando o governador for a São Paulo e encontrar uma oportunidade deles se encontrarem e conversarem.

Sobre o seu processo criativo aflora de que forma, o que você prioriza?
Eu não tenho compromisso, tá tudo mais ou menos em aberto

Tem alguma lembrança da Paraíba em algum momento pontual que você deixou guardado no passado?
Tudo, muitas coisas. Tive no centro da cidade, tudo abandonado, os prédios caindo, queimados, ali no Ponto Cem Réis.. Por que aconteceu isso?

Há quem diga que o comércio foi todo para a praia e ficou inviável investir no Centro. E é bonito lá. Ali tem a sua história também?
Ali tem a história de toda Paraíba.

Você saiu daqui com que idade?
17.

Então quer dizer que você forjou sua base intelectual aqui? 
Não exageremos! (risos)

Mas você teve algum embasamento de conhecimento da vida dos compromissos da lutas com 17 anos, ou saiu daqui verdinho?
Eu saí estudante reprovado, passei uma época num colégio lá no interior de Minas Gerais. Um ano e meio depois eu fui pro Rio, meus pais estavam morando lá. Dei prosseguimento aos estudos preparatórios, depois fiz direito até 61, depois que terminei fui para São Paulo.

A música começou no curso de direto ou paralelamente ao curso?
A música sempre existiu. No tempo que fiz o curso de direto eu fiz vários programas, um deles foi o mais marcante que foi uma produção na rádio Roquete Pinto, do Valder Mário Henrique, toda semana eu tinha uma participação no programa dele.

Eram músicas autorais?
Não eram músicas minhas, eram músicas da época. Não compunha ainda.

Você poderia dizer que seu curso de direto foi a base de formação? A convivência foi salutar?
Para mim foi muito bom.

Deixou amigos?
Até hoje nossa turma tem um sociedade que se reúne todo mês. Eu tenho ido pouco.

Vandré, você adotou um estilo próprio. Você não foi tragado pela música da indústria, pela música comercial, você não se dobrou a nenhum modismo, você foi resistente a isso. isso foi por acaso ou decidiu não se submeter?
Eu não dependia da música. Eu sempre fui servidor público, eu tinha outras coisas para fazer. Corretagem de imóveis, São Paulo tem um leque muito grande para a existência. Fui educado e preparado para não depender de música

A música ficou sendo um hobby?
Não. Ficou sendo a minha vida. Passei a viver isso.

Você tá sempre na sua, recluso. É uma escolha sua?
Isso é mais recentemente, desde que parei em 68, praticamente não fiz mais nada comercial. Gravei um disco fora, fiz um programa de televisão na Bavária, mas no Brasil eu não cantei desde 68.

Foi por opção?
Foi medo. Por medo da revolução.

Mas a revolução foi embora, fomos redemocratizados…
O período que mais fiz sucesso foi de 61 a 68 foi o auge do governo militar. Isso não foi problema.

Você ficou desencantado?
Quando voltei achei tudo muito diferente. Para você ter uma ideia: naquela época tinha festival de música brasileira, no Rio e em São Paulo, no Maracanãzinho. Era o que predominava, se projetava como acontecimento musical. Hoje tem Rock in Rio.

Você não arrisca nem poesia?
Eu escrevo, mas não decido como publicar. Sempre escrevo.

Nos seus escritos tem a Paraíba?
De vez em quando.

Otimista com o Brasil ou você não se estressa com isso?
Eu sou por fora disso tudo. Faz muito tempo que deixei de votar.

Isso é um protesto? É uma decisão política?
Protesto não.

Você já torceu pelo Lula?
Nunca, nem por ele nem por ninguém.

Como você vê a atual situação do país?
Não tenho ideia. Não faço conjecturas, estou a margem mesmo. Não tenho o que fazer nesse cenário.

Qual seria a saída política para o país?
Eu não sei mesmo. (risos)

Vandré, a imagem emblemática do Maracanãzinho, aquele grande levante. Por que não existe registros disso?
Eu também nunca vi. Sumiram tudo. Eu vi um dia estava vendo um VT sobre a história de festivais, as meninas cantando com o Chico, mas eu não aparecia no VT.

Você viu o filme do Chico? Teve passagens que você era o personagem?
Assisti. Mas eu não fiz nenhuma leitura dele. A primeira canção dele em festivais foi eu que cantei. Sonhos de Carnaval. Festival de São Paulo. Mas cantei muito mal. Era um festival que era só de compositores inéditos. Os que cantavam eram os profissionais. Mas nunca tive uma maior aproximação com ele, fui indicado para pela direção do festival para cantar.

O que Vandré escuta?
Geralmente escuto música instrumental. Clássica. Música sem palavras. Mercedes Sosa é a que eu lembro. Foi uma cantora muito importante.

Projetos de Vandré para o futuro?
Esse projeto aqui da Paraíba é o principal, depois talvez Uruguai, Argentina, Paraguai. Eu tenho umas trinta canções escritas em ‘habla hispanica’ e fazer com músicos de lá mesmo.

Como você quer ser lembrando no futuro?
Eu não tenho essas preocupações.

E como é completar 80 anos de vida?
Depende da vida.

Você já se aquietou? Já parou?
Nunca se sabe! (risos)

 

 

 

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