Presidente da Samarco vive pesadelo após barragem romper: 'Gelei na hora'; leia entrevista

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Época NEGÓCIOS: O senhor é o principal executivo da companhia associada à maior tragédia socioambiental do país. Como lida com essa situação?
Ricardo Vescovi: Está muito puxado. Quando eu recebi a notícia, gelei. Imediatamente, pensei nas pessoas, nos funcionários. Onde estavam? Como estavam? Pessoalmente, estou sofrendo muito. Nós já pedimos desculpas tanto para o povo do Espírito Santo como para o de Minas Gerais, para as famílias impactadas, para os funcionários. Não foi para isso que construímos essa empresa. Não foi para isso que trabalhamos durante tantos anos. Não desejo essa situação a nenhum gestor. Isso não é um processo simples para líder nenhum. É muito pesado. Aconteceu um acidente que ninguém queria que acontecesse. Mas aconteceu. Agora, é preciso ter coragem para trabalhar e reverter as coisas.

Época NEGÓCIOS: Quais têm sido os seus desafios?
Ricardo Vescovi: É uma situação-limite, de dedicação de tempo, de gestão de fadiga, de necessidade de tomar decisões rápidas. Eu, os diretores, toda a equipe estamos em campo, na linha de frente desde o primeiro dia, decidindo e fazendo coisas diferentes da nossa rotina. Na noite do acidente, por exemplo, ainda havia muita gente ilhada e, junto com o Corpo de Bombeiros, nós tivemos de pensar em como usar nossos caminhões e nossos equipamentos – que são de mineração, não de resgate –, para liberar o caminho até Bento Rodrigues.

Época NEGÓCIOS: O que mudou na sua rotina desde o dia da tragédia?
Ricardo Vescovi: Tudo. Eu trabalho de forma quase ininterrupta, 16 horas por dia. Quando durmo, acordo várias vezes preocupado, pensando nas coisas que preciso fazer. Dedico muito tempo à unidade de Germano, onde o acidente aconteceu, e à região atingida. Passo noites seguidas em Mariana e, às vezes, venho para Belo Horizonte, porque muitas coisas precisam ser comandadas daqui. Nos breves intervalos, passo em casa para ver minha mulher e meus filhos.

Época NEGÓCIOS: Como você recebeu a notícia da queda da barragem?
Ricardo Vescovi: Eu estava aqui [na sede da empresa, em Belo Horizonte], participando de uma reunião para discutir justamente segurança do trabalho. Então, o telefone de um dos participantes tocou, ele olhou para mim e disse: rompeu a barragem de Fundão. Eu gelei. Perguntei: Como assim? Como a barragem rompeu? Desceu? Imediatamente, acionamos nosso comitê de crise – formado naquele momento por 10 profissionais – e seguimos para Germano.

Época NEGÓCIOS: Qual foi a sua sensação ao ver as proporções do desastre?
Ricardo Vescovi: O acidente foi no fim da tarde. Quando chegamos, estava escuro, não dava para ver o que havia acontecido. No dia seguinte, logo cedo, sobrevoei a região de helicóptero e, quando olhei pela primeira vez, pensei: inacreditável. [Vescovi leva as mãos ao rosto e esfrega os dedos sobre a testa]. O modo como essa barragem desceu é algo inacreditável. Do ponto de vista técnico, é inacreditável que isso tenha acontecido.

Época NEGÓCIOS: A Lei de Crimes Ambientais prevê a prisão de executivos à frente de empresas responsáveis por danos ao meio ambiente. Em 19 de novembro, o senhor conseguiu um habeas corpus preventivo. Pensou que poderia ser preso?
Ricardo Vescovi: Essas questões eu deixo para o quadro jurídico da Samarco. O que posso fazer é trabalhar. Estou empregando toda a minha energia, fazendo o melhor que posso para liderar e engajar as pessoas.

Época NEGÓCIOS: O senhor tem dois filhos pequenos. Como está tratando o problema da Samarco em casa?
Ricardo Vescovi: A situação está explicada para eles, no limite do entendimento de crianças que são [com 10 e 7 anos]. Aconteceu uma coisa muito importante na minha vida. Uma coisa difícil, com todos os elementos de dificuldade que se possam imaginar. Eu e minha mulher sentamos e contamos a eles. Eu peguei um papel e desenhei o que estava acontecendo. Na minha família é assim. A gente conversa. Sobre as coisas boas e sobre as ruins.

Época NEGÓCIOS: Em algum momento o senhor pensou que poderia não dar conta de toda essa situação?
Ricardo Vescovi: Sinceramente, não. Não tive medo. Eu tive a humildade para reconhecer que estou diante de um desafio enorme e busquei coragem para enfrentar. Cheguei à Samarco como estagiário. Entrei pelo portão da unidade de Ubu, às 7h14 da manhã, em 1 de fevereiro de 1993. Construí minha carreira aqui, assim como centenas de outros funcionários. Eu acredito nos valores dessa empresa. Estou aqui agora como líder, meu papel é liderar.

Vale e BHP Billiton
Época NEGÓCIOS: Vale e BHP Billiton são as donas da Samarco. Como está a sua relação com os executivos das empresas? De que maneira eles reagiram à tragédia?
Ricardo Vescovi: Assim que eu soube do acidente, avisei a Vale e a equipe do Brasil da BHP. Desde o primeiro momento, eles se colocaram à disposição. Não me senti desamparado.

Época NEGÓCIOS: Não foi essa a percepção externa. Executivos da Vale, no início, tentaram desvincular-se de qualquer responsabilidade sobre as operações da Samarco. Por que isso aconteceu?
Ricardo Vescovi  Eles estiveram aqui, prestaram apoio a mim, à empresa. O Murilo [Ferreira, presidente da Vale] esteve aqui. Nós falamos juntos com a imprensa. Como eu disse, as controladoras se colocaram à disposição. E fizeram isso publicamente.

As causas do rompimento
Época NEGÓCIOS: Especialistas em segurança dizem que seria impossível a barragem ruir sem que antes aparecessem sinais de problemas. O Ministério Público de Minas diz que “houve negligência” da Samarco.
Ricardo Vescovi: Essa é uma opinião deles. Não é a nossa. A barragem de Fundão era operada por especialistas, monitorada pelo estado da arte de instrumentação em barragem. Ela era visitada por técnicos do mundo todo, que vinham somente para olhar o que estávamos fazendo aqui. A governança dos nossos sistemas é tida como exemplar

Época NEGÓCIOS: Então, o que deu errado?
Ricardo Vescovi: É o que estamos tentando entender. Hoje, há vários especialistas avaliando a questão. Não vou dar detalhes de documentação, mas eu posso dizer que todo report que precisa ser feito, foi feito. Todos os órgãos que precisam receber nossas informações estavam recebendo.

Época NEGÓCIOS: A produção da Samarco aumentou mais de 30% entre 2013 e 2014, o que significa milhares de toneladas a mais de rejeito ao ano. A barragem também estava recebendo rejeitos da Vale. Isso pode ter contribuído para o desastre?
Ricardo Vescovi: Não houve aumento de deposição de minério de um dia para o outro. Foi tudo planejado, licenciado, aprovado. Os rejeitos da Vale respondiam por até 5% do volume total da barragem. Não é nada excepcional e não é algo novo.

Época NEGÓCIOS: O senhor está tranquilo de que as investigações não irão apontar falhas nos processos da Samarco?
Ricardo Vescovi: A gente está investigando. Com todos os elementos que tenho, posso dizer que, do ponto de vista de licenciamento, de cumprir o que nos era colocado, de monitorar a barragem e de planejamento, estávamos em dia com tudo. Nós não sabemos as causas. Precisamos chegar ao final das análises.

O futuro da Samarco
Época NEGÓCIOS: Hoje, a Samarco está com operações embargadas em Minas. A empresa vai voltar a operar?
Ricardo Vescovi: O foco não é esse. A minha prioridade é dar as melhores condições possíveis às pessoas que foram impactadas. É, ainda, tratar das questões ambientais – porque temos uma situação ao longo do rio Doce para resolver, junto com governos e outras instituições. Tenho de garantir a estabilização para as barragens de Germano, para ficarem num limite de segurança superior.

Época NEGÓCIOS: Mas certamente há pessoas dentro da empresa pensando nisso. Não há pressão dos controladores nesse sentido?
Ricardo Vescovi: Tem gente pensando quais seriam as opções. Mas como líder, neste momento, dentro de uma crise, não posso sair daqui para cuidar dessa outra parte. Eu não posso dar a solução e um cronograma, agora.

Época NEGÓCIOS: Alguns analistas apontam que, sem operar, a Samarco tem caixa suficiente para arcar com seus compromissos apenas até o primeiro semestre de 2016. É verdade?
Ricardo Vescovi: Na posição que eu estou agora, não posso precisar isso. Não consigo. É preciso entender com mais clareza o que eles estão assumindo como compromissos.

Época NEGÓCIOS: Mas a Samarco está sem geração de caixa. Isso não preocupa?
Ricardo Vescovi  Sim, não temos geração de caixa. E, sim, preocupa. Mas, de novo, essa não é nossa prioridade.

Época NEGÓCIOS: Tecnicamente, o que falta para a empresa voltar a operar?
Ricardo Vescovi: É preciso encontrar uma solução para os rejeitos de Germano. Pode ser desde a disposição em cava ou o uso de outra tecnologia. Em princípio, quando você olha a Samarco Mariana e a Samarco Espírito Santo é um processo interligado. Então, em princípio, se você não consegue operar em Mariana também não consegue operar no Espírito Santo. Mas eu não sei. É preciso sentar e pensar nas soluções de futuro. Elas podem aparecer.

Época NEGÓCIOS: Quando o senhor espera que a situação se normalize?
Ricardo Vescovi: O mais breve possível. Mas uma empresa, para existir, precisa ter permissão da socidade, manifestada nas instituições. O tempo de discutir a volta das operações com a sociedade, com o mercado, com quem a gente toma dinheiro vai chegar. Eu só não posso precipitar isso.

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