Gilvan Freire
No auge da decomposição do bloco soviético formado pela URSS, liderado pela Rússia que Gorbatchev demoliu a partir de sua Perestroika, o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, instalaram na Capital americana, em novembro de 1989, o Consenso de Washington, baseado em muitos debates acadêmicos e num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, que se converteria em bíblia do neocapitalismo colonizador dos EUA para os países latino-americanos emergentes, mas endividados, como o Brasil. Em 1990, o FMI passou a usar o modelo proposto pelo Consenso de Washington, que produziu 10 regras básicas: 1) Disciplina Fiscal; 2) Redução dos gastos públicos; 3) Reforma Tributária; 4) Juros de mercado; 5) Câmbio de mercado; 6) Abertura comercial; 7) Investimentos estrangeiros diretos, com eliminação das restrições; 8 ) Privatização das estatais; 9) Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); 10) Direito à propriedade industrial.
No Brasil e na Argentina de Collor/FHC e Carlos Menem esse golpe foi aplicado à exaustão e sem complacência, e o patrimônio público construído com o sacrifício dos pobres foi privatizado a preço de bolacha. Só a Vale do Rio Doce, a maior mineradora do mundo, avaliada pela USP em próximo de 1 trilhão de reais (por causa do valor de suas jazidas), foi alienada por menos de 3 bilhões de dólares. Ninguém foi preso por conta disso e a nação, anestesiada com o Plano Real, calou da forma mais covarde. Aliás, como acontece sempre quando os governos, para vender a alma e o suor do povo, receitam remédios enganosos de efeitos alucinógenos.
ESPECULADORES AMERICANOS FICARAM MAIS RICOS. MAS O CONSENSO FALIU.
Sete anos depois de instalado o Consenso de Washington, Argentina e Rússia quebraram em 1997, o Brasil balançou mas não caiu, mas a base patrimonial montada há anos através das estatais havia sumido como fumaça, enquanto os índices de miséria do povo não declinavam. Em 2004, por causa dos desajustes da economia no mundo e o fiasco das regras de Williamson na solução das crises sociais e econômicas dos países emergentes do Terceiro Mundo, e não antes do assalto do capital americano às empresas estatais privatizadas, o FMI readaptou o Consenso de Washington. Hoje ninguém quer se lembrar mais dele, nem mesmo Williamson, especialmente pelo caos que o modelo criou na Argentina e porque se tornou responsável pelo agravamento das desigualdades sociais na América Latina. Apesar disso, está chegando com esse atraso todo na Paraíba, ficando hóspede do Palácio da Redenção.
Se não fosse Lula, o Brasil estaria igual à Argentina. Lula provou, ao contrário de FHC, que para resgatar 30 milhões de pobres não precisa vender o patrimônio público (até porque não há mais), e nem seria necessário negociar diretamente com o capeta para elevar a economia do país à 8ª posição no planeta, com inclusão social.
No Brasil pós-privatização, todos os serviços que eram prestados pelo Estado estão hoje enriquecendo os tubarões que controlam as antigas estatais. São caros e não têm a eficiência prometida. Em pouco tempo já são os campeões de saqueamento da economia popular, segundo os órgãos de defesa do consumidor. Num certo tempo, que não vai demorar muito, possivelmente essas empresas serão reencampadas pelo Estado, por causa da pressão popular, e seus controladores receberão bilhões de indenizações. Afora os lucros que recebem hoje e remetem ao exterior.
Enquanto isso, os Estados Unidos como centro do universo capitalista explorador, acossado de um lado pelo fantasma de Bin Laden (que bota menino encapetado para dormir cedo em Nova Iorque), e do outro lado pela economia chinesa, baseada em empresas estatais eficientes, andam atrás de Williamson para que ele descubra agora regras milagrosas para salvar o seu próprio país. O feitiço está virando contra o feiticeiro.
RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO É MOLE SÓ PARA OS RICOS
RC vai a Cuba, mas Fidel Castro nem pode sonhar que ele entrou no território cubano guardando na bolsa de viagem um contrato de privatização da saúde, um setor público que transformou Cuba em exportador latino-americano de resolução incontestável. O próprio RC, nesses últimos nove anos, tem se referido à Ilha como modelo de saúde pública de gestão exclusivamente estatal. O que é que Ricardo vai ver ou conversar em Cuba neste momento? Não é melhor esperar que Fidel Castro morra?
RC já provou que tem coração brando para os ricos. Embora João Pessoa tenha cinco shoppings em funcionamento, todos instalados com capital estritamente privado, e outros dois gigantes projetados para a zona sul sem que consigam licença do governador, através de seu preposto Luciano Agra (por razões só recentemente descobertas), RC resolveu premiar um só empresário dando a ele privilégios patrimoniais que a nenhum outro seu governo pode oferecer. Criou uma lei exclusiva, batizada por muitos como Lei RC/RS, um binômio que mata moralmente dois coelhos com uma cajadada só. Que diabo o governo tem a ver com shopping Center se somente para a indústria há incentivos fiscais? Lógico, se o shopping não contribui nada de ICMS e só os industriais e o comércio contribuem, segundo as leis em vigor, somente a estas podem ser concedidos subsídios. O proprietário de um shopping não é igual à pessoa que aluga uma loja e instala ali seu comércio. Shopping é apenas uma imobiliária que arrenda espaços a comerciantes interessados, e nada mais.
RC está agora encantado com a Lei nº 9637/98, que vem do Governo FHC, que trata da Reforma do Estado desde o tempo áureo do Consenso de Washington, que estabelece um Plano Diretor e cria a figura da ‘propriedade pública não estatal’, ou, segundo os críticos e a resistência social, uma absurda alienação do caráter público da administração e entrega do patrimônio do Estado a empresários do setor privado disfarçados em organizações sociais sem aparentes fins lucrativos. É uma ladroagem escancarada e cínica.
Inventaram, os espertalhões e os teóricos da privatização, naquela época, que a crise brasileira daqueles tempos era a crise do Estado ineficiente e caro, mas Lula provou logo em seguida que o Estado, sem transferir aos particulares suas finalidades públicas essenciais, podia crescer e ser solidário com os pobres. O resto é discurso de gestor incapaz e entreguista.
RC não deseja entregar a saúde pública do Estado para uma organização social de fora dar jeito porque ela teria recursos para injetar no setor. Ele quer é transferir, além de prédios caríssimos e equipamentos e utensílios de primeiro mundo, os volumosos recursos financeiros que a administração já gasta na área, quando não for mais dinheiro público ainda, se preciso for. Vai fazer isso. Os exploradores já botaram a boca na botija.
Conheça, no próximo artigo, quarta-feira à tarde, os intestinos desse laboratório de malandragem e saiba como funciona o manual do entreguismo com base no qual RC desmonta o Estado. E ele ainda acha que dá para sorrir.