A falência do caráter público da administração

Gilvan Freire

RC teve sempre um discurso enfadonho e repetitivo, durante esses anos todos em que formou uma opinião pública em defesa de suas ideias que a ninguém seria dado ao menos suspeitar que algo pudesse soar falso. Afinal, no mundo por onde transitam os seres ideologizados não é comum acontecer de muitos ‘virarem a casaca’. Pode até ocorrer, como tem acontecido a partir da derrubada do Muro de Berlim e do desmonte da União Soviética, de muitos socialistas, e até comunistas, terem feito uma autocrítica, sob o pretexto de que o mundo mudou, o muro separatista ruiu e a Globalização como fenômeno da economia e da produção de bens estabeleceu-se como nova ordem mundial. Houve mesmo até quem, entre os pensadores contemporâneos, dissesse desalentado – ‘É o fim da história!’

Nem mesmo a Revolução Soviética de 1917 na Rússia de Lênin, deflagrada com a mais sangrenta luta de classes da história e que ameaçou o capitalismo durante mais de 70 anos, teria causado um reboliço tão grande no planeta Terra, embora tenha sido capaz de dividir o globo em duas bandas e tenha alçado ao poder destinado antes apenas aos nobres aqueles pobres que nunca tiveram poder nenhum.

Mas a Globalização teria a capacidade de unir as nações, e não os homens, porque, repentinamente, o mundo todo descobriu que só o dinheiro terá o poder de gerar riqueza e erradicar a pobreza que o comunismo tentou erradicar sem sucesso.

Segundo as teorias triunfantes do capitalismo mundial, o comunismo gera uma sociedade igualitária por baixo, enquanto o capital financia o fim da pobreza e a prosperidade, um modelo de resultados em que todos os homens podem ser ricos dentro de um sistema de livre competição.

Bem ou mal, só a história dirá com o tempo, a nova ordem mundial globalizada é a vitória do capitalismo americano sobre a experiência soviética e saiu arrastando as pequenas nações que acreditaram no laboratório de Lênin como experiência humana de libertação econômica dos escravos do capital nesse hipotético e imaginário mundo livre. Pelas leis do capitalismo, a submissão de homens a outros nunca acabará, e agora mais do que nunca a submissão será de nações e não apenas de homens. É a nova fase colonialista dos povos.

À rigor, mesmo com a abolição da escravatura em todas as civilizações, que é um aparente marco na evolução política e cultural da raça humana, ainda assim o escravismo não refluiu em suas formas perversas de dominação dos pobres, somente porque o capitalismo não deixa. E parece que assim será para sempre, porque agora para a força do capital não haverá mais contraponto.

 

NA PARAÍBA DE RC O CAPITALISMO SELVAGEM TRIUNFOU

Uma mudança na ideologia de Ricardo Coutinho, líder combativo que nem se intimidou com o fim do Muro de Berlim e ainda hoje vai a Cuba de Fidel buscar inspiração para o governo, pareceria não apenas uma inovação de estilo, mas uma reviravolta espantosa, dessas que correspondem ao ato transformador de ‘virar pelo avesso’, situação em que uma coisa ou pessoa esconde uma face conhecida para exibir outra nunca antes vista. Restaria então saber-se se a mudança estaria sendo feita do pior para o melhor, pois isso seria um efetivo ganho para a sociedade, já que na face habitual de RC houve sempre coisas muito boas, entre os quais a persistente defesa dos interesses públicos e dos mais pobres, que ele proclamava orgulhoso e convicto tratar-se do ‘caráter público da administração’, um conceito político e ideológico de que a administração pública é pública porque é do povo e mais ninguém, nem mesmo do governante que sequer teria direito de por seu retrato numa repartição do Estado.

Para piorar sua face, depois de arregaçá-la pelo avesso, bastaria que Ricardo perdesse as suas boas qualidades, e esse é o esforço que ele está fazendo, como se a sua velha identidade não fosse da conta de ninguém.

Ocorre, entretanto, que RC, ao longo desses últimos anos, ofereceu-se à população com sua face consolidada, e o povo deu-lhe procuração sem pelo menos imaginar que ele pudesse trocar de fisionomia. Se RC agora quer ser outro, passa a ser problema grave que é da conta de toda a Paraíba, a quem ele deve prestação de culpa, pois quando a sociedade acreditou nele não queria trocá-lo por um farsante e nem queria admitir que ele mesmo o fosse. Chama-se a isso, com relação aos que mudam de rosto de ‘crise de identidade’, e com relação ao povo traído de ‘depressão coletiva’.

A partir da próxima semana, talvez ainda neste final, se possa esmiuçar em vários artigos o que Ricardo Coutinho pretende fazer com os serviços públicos essenciais e obrigatórios da administração pública estatal, transferindo para grupos empresariais as atividades que lhe cabe gerir, assim como todos os seus antecessores fizeram. Já estão na Assembleia e na Câmara Municipal os projetos de lei que darão condições legais para que as chamadas Organizações Sociais assumam diante do povo o papel historicamente reservado ao Estado e ao município. Está aí o segundo retrato da face nova de RC, já que o primeiro foi tratar de shopping quando o poder público tem de tratar de uma educação caótica que tem em 95% da rede problemas inadmissíveis, e de uma saúde em que médicos abrem crânios humanos de enfermos indigentes com furadeiras de marcenaria.

É muito provável que RC privatize várias funções do Estado, dentro do novo conceito criado pelos espertalhões do capitalismo selvagem, que chamam agora o serviço público essencial de ‘serviço público não estatal’, um nicho para colocar a mão no patrimônio e dinheiro públicos. O que será demonstrado com provas é de estarrecer. Talvez seja o caso de se perguntar: “É possível RC ficar ainda pior do que já foi?”