Após rompimento de barragem, estudo mostra que outros 42 reservatórios de MG não têm estabilidade

Estado tem 735 barragens e relatório de 2014 já apontava riscos

Das 735 barragens existentes em Minas Gerais, 42 não têm garantia de estabilidade, segundo relatório da Fundação Estadual de Meio Ambiente de 2014, o mais recente disponível. Apesar dos riscos, essas barragens podem continuar em funcionamento.

De acordo com o levantamento, em 29 dessas barragens não foi possível garantir a estabilidade e, em 13, não foi finalizada a auditoria por falta de documentos.

“É um absurdo. Se as barragens não são consideradas estáveis pelos auditores, como é que elas têm permissão para continuar funcionando?”, pergunta Maria Dalce Ricas, superintendente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente.

As barragens da Samarco que desmoronaram em Mariana haviam recebido a aprovação dos auditores –que as consideravam estáveis.

O programa de gestão de barragens de rejeitos foi iniciado em 2002 pela fundação para reduzir potenciais danos ambientais por causa de acidentes em barragens.

As barragens de rejeitos armazenam água com resíduos da mineração, resultantes do processamento químico ou mecânico do mineral bruto. Os relatórios são feitos por auditores independentes contratados pelas empresas e organizados pela fundação.

Segundo a Secretaria Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais, quando um auditor constata que não pode garantir a estabilidade de uma barragem, a empresa é convocada a tomar providências para corrigir os problemas. Mas a estrutura não é interditada.

Segundo o levantamento da fundação, o número de barragens sem garantia de estabilidade caiu de 35 em 2013 para 29 em 2014.

“Não sabemos se houve negligência no caso da Samarco ou se foi resultado de um fator externo como tremor de terra ou chuva forte”, pondera Ricas. “Mas, mesmo que tenha sido um acidente, isso mostra que o modelo de mineração que usa barragem de rejeitos é muito arriscado.”

Para Andrea Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta/UFMG), o desmoronamento em Mariana não pode ser visto como um caso isolado. “Os deslizamentos são resultado de problemas no processo de licenciamento. Em várias obras, estão acelerando o licenciamento e queimando etapas, acham que é mera burocracia, mas na realidade é um processo que pode evitar acidentes”, afirma Zhouri.

LEI DE LICENCIAMENTO

Ela e outros ambientalistas criticam o projeto de lei 2946/15, de autoria do governador Fernando Pimentel (PT), que foi encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 6 de outubro em regime de urgência.

O projeto visa a tornar o processo de licenciamento mais ágil. Em setembro, o governador de Minas afirmou que os licenciamentos no Estado “são muito lentos, demorados, e exigem muitas vezes procedimentos quase punitivos do licenciado”.

Para Zhouri, as mudanças previstas na lei vão enfraquecer o processo de licenciamento e deixá-lo mais vulnerável a pressões das empresas e menos transparente.

A secretaria de Meio Ambiente afirmou que irá “manter o rigor técnico presente nos processos de licenciamento com o projeto de lei”.

O projeto já passou pela comissão de meio ambiente da assembleia, que emitiu parecer favorável, e seguirá agora para a comissão de meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

ESTRAGO É INCÓGNITA

Mais de 30 horas depois do rompimento de duas barragens de uma mineradora na zona rural de Mariana (MG), ainda não era possível saber quantas pessoas estavam desaparecidas nem a extensão dos danos ambientais.

Até a noite desta sexta (6), uma morte havia sido confirmada e mais de 500 pessoas, que fugiram para a mata ou que ficaram ilhadas, foram resgatadas. Elas passaram por descontaminação para se livrar de resíduos de minério de ferro e produtos químicos misturados à lama.

A Samarco, que pertence à brasileira Vale e à australiana BHP e é responsável pelas barragens, confirmou 13 funcionários desaparecidos, mas Bombeiros nem Defesa Civil sabiam quantos moradores não tinham sido localizados.

A lama de rejeitos se espalhou por um raio de 80 km e ainda poderia se expandir. Entre os efeitos possíveis, mortandade de peixes, destruição da vegetação, assoreamento de rios e comprometimento temporário da captação de água.

Sem condições de acessar o vilarejo de Bento Rodrigues, que tem 492 moradores, equipes de resgate usaram um drone e três helicópteros na tentativa de achar sobreviventes. Só quando o barro baixar e o terreno estiver firme é que vão entrar à procura de corpos.

As causas do acidente, que o Ministério Público classificou como o maior desastre ambiental da história de Minas, seguem uma incógnita.

A empresa diz que o conjunto de barragens foi fiscalizado em julho e estava em “totais condições de segurança”. Disse que seguiu seu plano para emergências e alertou moradores por telefone.

Segundo a empresa, pequenos tremores de terra registrados na área duas horas antes do rompimento são uma das hipóteses avaliadas (a magnitude deles, porém, foi fraca, próxima de outros cem já registrados em território nacional nos últimos três anos).

Ela afirma que os resíduos que atingiram cinco distritos de Mariana não são tóxicos.

No ginásio para onde foram levadas centenas de desalojados, o clima era de desespero. Cartazes foram afixados em busca de parentes.

Segundo o prefeito de Mariana, Duarte Junior (PPS), moradores de outras localidades foram avisados a tempo. “No distrito de Paracatu a parte baixa onde estava a escola e as casas, infelizmente, não existe mais.”

O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), disse que é cedo para apontar as causas do acidente, mas que elas serão apuradas.

Folha de S. Paulo