Por Leonardo Mendes
Eduardo Cunha se casou com uma jornalista da Globo nos anos 90. Hoje talvez se casasse com Rachel Sheherazade.
Um dos melhores vídeos do ano mostra uma defesa inflamada feita por ela a respeito de Cunha, ainda na época em que a Veja o lançava como o homem mais poderoso da república. Confira:
Depois de ver o vídeo fui tomado por uma certa curiosidade mórbida e resolvi entrar no perfil da moça no Facebook para ver se ela ainda morria de amores pelo quase ex-deputado.
Vasculhei a linha do tempo semanas e nada. As únicas menções a Cunha feitas por Sheherazade se referem aos pedidos de impeachment contra a presidente Dilma.
Entre uma crítica e outra ao bolivarianismo e defesas de que família só pode ser formada por pais heterossexuais, acusações contra Lula e seus filhos, e campanhas para que o filho de Jair Bolsonaro fosse eleito o melhor deputado do país (perdeu para Jean Wyllys), nenhuma palavra sobre os milhões na Suíça da família Cunha.
Pareceu-me um tanto assombroso que alguém que se diga jornalista consiga ignorar completamente o assunto mais comentado das últimas semanas.
Que alguém que publica diversos posts diários supostamente revoltada on line contra a corrupção, não se revolte em função da fartura de denúncias e provas apresentadas contra o presidente da Câmara.
Que jornalismo é esse que escolhe tão descaradamente pesos e medidas?
Que gente é essa que compartilha a indignação seletiva de Sheherazade e sequer a questiona sobre seu silêncio?
E Sheherazade tem mais de um milhão e meio de seguidores nas redes sociais. Sua relevância no debate político nacional se resume a isso.
São pessoas que precisam ser resgatadas.
São hoje reféns de supostos jornalistas como Sheherazade que há muito tempo abandonaram a profissão para servir a interesses políticos.
Jornalistas que não informam, não investigam, não questionam nada que não faça parte da própria agenda escolhida.
Que como comentaristas nada acrescentam, e encontrar ideias novas no discurso de Sheherazade é como procurar uma cachoeira no deserto.
Talvez por isso seu novo livro “O Brasil Tem Cura” já nasça morto. A vida é muito curta para você ler o que já sabe.
E quem não sabe que a doença do Brasil para Sheherazade são os “marginaizinhos”, os homossexuais, o carnaval, a esquerda, a corrupção (da esquerda), o funk, o bolivarianismo…
E que a cura é a repressão policial, os “valores”, a moral conservadora e o neoliberalismo.
Por isso o maior problema não são suas ideias, que mantêm a profundidade do senso comum mais hidrófobo. Mas o que ela representa para a profissão de jornalista.
É um perigo para a democracia que o ofício de um jornalista se confunda com o de relações públicas. E é isso o que Sheherazade representa, e deixa claro no caso de Eduardo Cunha, não necessariamente por amor.
Naturaliza-se assim que a pauta não é o interesse público, não são os fatos, mas a própria agenda, vendida a veículos que as pré-determinam.
George Orwell disse que jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique, todo o resto é publicidade.
Sheherazade só publica o que interessa a ela própria e seus patrões. E o pior é que seu público espera dela exatamente isso.
Diário do Centro do Mundo