A professora Ivana Martins, de 40 anos, sente saudades da casa na beira da praia, em Recife, cidade onde foi morar quando o marido foi transferido a trabalho. Lá, viveu ao lado dele e dos dois filhos durante os últimos quatro anos. Mas a vida na cidade de que gostava acabou neste ano, quando o marido, supervisor elétrico na área naval da Camargo Corrêa, uma das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato, foi dispensado em meio a uma demissão em massa. Apesar de sentir os efeitos da crise e da corrupção em sua vida, a professora não vai às manifestações que foram convocadas para hoje e que têm como alvo a presidente Dilma Rousseff. Para Ivana, é hipocrisia atribuir a culpa pelos “fracassos do país, desmandos e desvios” a um governante eleito de modo legítimo. Para ela, os protestos deste domingo sugerem um golpe, ao pedirem a saída da presidente. Eles também destilam ódio e dão vazão a críticas indevidas a projetos sociais de grande relevância para o país.
A professora de português, formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) teve que voltar com a família para São Gonçalo, região metropolitana do Rio, há poucos meses. Quando os problemas econômicos do Brasil são o assunto, Ivana prefere ressaltar que a “crise financeira mundial não começou agora”. Reconhece que os preços dos produtos pesam cada vez mais no bolso. Diz que as viagens já não acontecem com a mesma frequência e que os jantares em restaurantes diminuíram. Seu marido, no entanto, conseguiu outro emprego na área industrial, e a família segue adiante.
— Acho que nós viveríamos essa mesma crise com o Aécio Neves (PSDB). Acredito que ela vai ser superada. Eu não vejo isso como algo que vai nos levar à ruína. É um pânico para justificar o que se quer fazer.
Nas eleições de 2014, Ivana justificou o voto por estar em Recife, mas fez campanha, ligando para amigos e família, a favor de Dilma. Servidora da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, ela se prepara para voltar a dar aulas na comunidade vizinha, onde conheceu de perto a realidade do tráfico de drogas. Apesar da pobreza e da violência do bairro em que leciona, Ivana acredita que o governo de Dilma tem sido capaz de preservar programas como o Bolsa Família e o ProUni, o que lhe dá mais esperança de preparar os estudantes.
De origem pobre, a professora foi a primeira a ter diploma na família. No ensino médio, tinha dificuldades para pagar a passagem do ônibus. Quando disse aos parentes que faria vestibular, foi aconselhada por alguns a tentar um curso de manicure, por se encaixar mais a sua realidade. Hoje, com casa própria e uma vida estabilizada, considera-se prova das melhorias dos mandatos do PT, principalmente os do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O marido, conta ela, iniciou na área naval no governo do petista. O orgulho de ver vários alunos de escolas públicas hoje médicos e engenheiros só foi possível após a era Lula, destaca Ivana.
Ao falar de corrupção, diz ter consciência de que as pessoas estão pagando a conta, mas confia no que está sendo feito, até se for para tirar o governo do poder, caso seja provado algum crime. Ivana acha, porém, que os governos anteriores deveriam ser investigados com o mesmo rigor. Ela vê uma “caça às bruxas”.
O Globo