É preciso respeitar o caráter suprapartidário das manifestações. Mas isso não pode ser pretexto para que os políticos fiquem omissos, temerários da rejeição popular. Respeito, sim. Omissão, jamais.
Os partidos têm a obrigação de estar presentes nas ruas. Não para instrumentalizar nenhum movimento, como advertiu o presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas para cumprir, com humildade, sua obrigação de ouvir as pessoas, escutar seus anseios e dar respostas aos que protestam nas ruas.
O impeachment é apenas uma dessas questões. A cada dia, se fortalece a base jurídica para a abertura de um processo de impedimento da presidente da República. Ela violou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao atrasar pagamentos de benefícios sociais já liquidados aos bancos oficiais, contraiu empréstimos camuflados, segundo o Tribunal de Contas da União, o que a lei proíbe e pune. O governo segurou, até o fim das eleições, uma apuração de denúncias de suborno na Petrobras, o que configura crime de prevaricação. Fez “pedaladas fiscais” e financeiras – e a fatura nos chega em forma de inflação e juros em alta, ameaça de desemprego, perda de direitos trabalhistas e retração econômica.
Reeleita em uma campanha sem escrúpulos, a presidente terceirizou a Presidência da República para seus adversários mais visíveis. Suprema ironia. Decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra prefeitos sepultam o argumento de que não há cassação por atos de mandatos anteriores. Provou-se que a lei é dura. Falta mostrar que ela é igual para todos.
É inegável que as ruas querem o impeachment. Ninguém pode desconhecer que a ira pública contra o PT e seu governo resvala também para a classe política. Temos todos de fazer um humilde “mea-culpa” pela situação a que chegamos: um Estado extremamente ágil e insaciável para arrecadar e punir, mas lerdo e ineficiente para atender às demandas sociais.
É preciso nos reciclarmos, todos, na atividade política, na capacidade de ouvir e de interpretar as ruas, e transformar o anseio social em leis e parâmetros para o país. É urgente redesenhar o Estado que queremos e como será sua relação com a própria cidadania.
Essas questões não se resolvem com a reforma política em gestação, reduzida à discussão sobre financiamento de campanhas. O Congresso não pode se fechar em pautas que interessam apenas às estruturas partidárias. Que tal estabelecer limites à própria política e evitar que os políticos se transformem em mandões da sociedade – e não em seus servidores?
Nosso desafio é evitar que a frustração com o governo se transforme em desencanto com o Brasil. E que a desconfiança com os políticos vire descrença com a política. Do contrário, as manifestações futuras talvez não apelem mais ao Congresso e aos políticos. A própria democracia sairá desacreditada. Talvez, derrotada.
Revista Época