Condenado ao fuzilamento, o surfista Rodrigo Gularte já tentou suicídio na prisão

Faltavam dois dias para o Natal quando, em uma noite de sábado, em 2006, o surfista brasileiro Rodrigo Gularte, condenado à morte em primeira instância por tráfico de drogas, tentou se matar. Funcionários do presídio indonésio contaram que Gularte vinha manifestando sinais de forte depressão, que atribuiu à proximidade das festas de final de ano e ao fato de outro detento brasileiro, Marco Archer — morto por fuzilamento há um mês — estar sendo visitado pela mãe.

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Agência O Globo
Faltavam dois dias para o Natal quando, em uma noite de sábado, em 2006, o surfista brasileiro Rodrigo Gularte, condenado à morte em primeira instância por tráfico de drogas, tentou se matar. Funcionários do presídio indonésio contaram que Gularte vinha manifestando sinais de forte depressão, que atribuiu à proximidade das festas de final de ano e ao fato de outro detento brasileiro, Marco Archer — morto por fuzilamento há um mês — estar sendo visitado pela mãe.

Gularte tivera seu telefone celular furtado um mês antes, o que o impedia de fazer contatos com a família. Para piorar a solidão, ele fora remanejado para outro pavilhão, por causa de sua tensa relação com Archer. Eles não mais se entendiam e brigavam constantemente, segundo relato da embaixada brasileira em Jacarta ao Itamaraty.

No corredor da morte há pouco mais de dez anos, Gularte pode ser executado em breve. Seus defensores querem evitar a morte com a obtenção de um laudo médico, pelo governo da Indonésia, recomendando a internação imediata em um hospital psiquiátrico, com o diagnóstico de esquizofrenia.

Confinado em uma cela de segurança após colocar fogo em roupas e objetos em sua cela — levando os agentes da prisão a acreditarem em um motim — Gularte explicou que se sentia abandonado por sua família em uma época de confraternização. Diplomatas e profissionais de saúde que o visitaram perceberam, pela primeira vez, que algo estava errado com ele. Simpático e demonstrando tranquilidade, disse aos interlocutores que criava gatos na nova cela e cuidava do jardim, mas acrescentou um detalhe preocupante:

“O único aspecto discutível de seu discurso… foi o de relatar que mantém contato por telepatia com amigos do Brasil”, diz o trecho de um telegrama do então embaixador do Brasil, Edmundo Sussumu Fujita.

O detento paquistanês Zulfikar Ali, uma das pessoas mais próximas a Gularte, relatou que ele sofria alucinações e o procurava durante a noite, tremendo de medo e pedindo para se esconder embaixo de sua cama. “O prisioneiro brasileiro dizia que estava ouvindo vozes e que havia recebido, por telepatia, a informação de que a CIA (sic) havia matado sua família no Paraná e preparava-se para eliminá-lo”.

Gularte tinha 32 anos, quando recebeu sentença de morte por tráfico de cocaína em uma tarde de quarta-feira, dia 7 de fevereiro de 2005, proferida pela Corte Distrital de Tangerang. Em agosto de 2004, foi preso com 6 quilos de cocaína em pranchas de surfe. Com ele estavam os também brasileiros Emerson Vieira Guimarães e Fred Silva Maguetta, que foram liberados, após Gularte assumir a culpa.

Segundo relato da embaixada brasileira em Jacarta, a audiência foi assistida por 50 ativistas uniformizados do Movimento Antidrogas. “(Os manifestantes) que ocupavam a maior parte do recinto facultado ao público, chamando slogans de apoio à pena de morte, e aplaudindo longamente a decisão prolatada”, relatou o encarregado de negócios da embaixada, José Soares Jr.

Já na penitenciária, a vice-cônsul Ingrid Doring visitou Gularte que, segundo ela, demonstrava equilíbrio emocional. Ele informou que iria apelar da sentença ao Tribunal Provincial de Java Ocidental. Se não desse certo, restariam a Suprema Corte e um pedido de clemência dirigido ao presidente da República. Como se sabe, os pedidos foram negados.

Em 17 de novembro de 2008, a família de Gularte disse não ter mais condições de arcar com os custos da assistência jurídica. Em 11 de fevereiro de 2009, o governo brasileiro liberou US$ 12.500, valor usado na contratação de assistência jurídica.

 

Mensagens trocadas entre a embaixada brasileira em Jacarta e o Itamaraty, às quais O GLOBO teve acesso, reúnem parte da história vivida nos últimos 11 anos pelos brasileiros presos na Indonésia.

Pelos comunicados, é possível acompanhar também os últimos anos de vida do instrutor de voo livre, Marco Archer, preso em agosto de 2003 com 13,4 quilos de cocaína e fuzilado em 17 de janeiro deste ano, e de Rodrigo Gularte, detido com 6 quilos da droga e na iminência de ser executado. Os relatos também falam das dificuldades de negociar perdão com o governo da Indonésia.

As mensagens mostram que, apesar das incertezas quanto ao futuro, os prisioneiros tinham uma vida mais confortável do que se estivessem recolhidos ao sistema prisional do Brasil: acesso a celular, alimentos levados por servidores da embaixada em Jacarta, internet e até direito a visitas íntimas. Gularte e Archer passaram um período na Penitenciária Especial de Narcóticos de Cipinang, com Rogério Peçanha, condenado a 11 anos, também por tráfico de drogas, e liberado em 2011. Conforme relato em maio de 2007 do encarregado de negócios da embaixada brasileira, José Soares, os três confirmaram que recebiam bom tratamento e não tinham reclamação a fazer.

“A prisão é nova, inaugurada há cerca de dois anos, e o pavilhão onde se localiza a sala de visitas é limpo e bem conservado. Rodrigo e Rogério ocupam celas individuais. Archer divide com dois detentos uma cela que descreveu como bastante ampla, para a qual foi transferido a seu pedido, pela necessidade que tem de andar durante o período de encerramento noturno, para evitar o desconforto do implante que possui numa perna. Os três contaram-me ainda que dispõem (ilegalmente) de telefone celular”.

Os diplomatas brasileiros também analisam as relações no interior dos presídios.

“Quanto ao nível de relacionamento dos cidadãos brasileiros, tanto com os funcionários quanto com os companheiros de infortúnio, é franco e descontraído, na medida do perfil de cada um”, diz a mensagem do encarregado, destacando que “seria razoável supor que entre presos e funcionários do presídio, existam relações negociais espúrias”. As visitas íntimas, por exemplo, existiam mediante pagamento a intermediários.