Um dos fatos mais graves apurados tanto pelos advogados da Coligação A Vontade do Povo quanto pelo Ministério Público Eleitoral nas eleições de 2014 para governador, foi o abuso de poder político e econômico resultante do Programa Empreender Paraíba, cujo objetivo é o de fomentar o microcrédito para pequeno empreendedores e que se prestou unicamente para atender os fins eleitorais do governador candidato pois empréstimos foram concedidos com a adoção de critérios eminentemente políticos, conforme apontou o advogado Rinaldo Mouzalas.
Segundo ele, os graves atos cometidos pelo Empreender-PB são facilmente comprovados bastando que se acompanhe a execução financeira do Programa que mostram que até pessoas que residem em outros estados da federação e até mesmo pessoas falecidas “receberam” recursos financeiros do Estado.
O próprio relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado já havia alertado o governo do Estado para as irregularidades que ocorriam no Programa já no seu ano de criação como a concessão de empréstimos sem atender objetivos técnicos, “o que ocorreu foi a mera distribuição de dinheiro público sem que se preocupassem com a qualidade do empreendimento ou mesmo sem ter empreendimento algum”, disse Rinaldo Mouzalas.
O relatório do TCE, que serviu de base para a acusação do Ministério Público constatou que após esgotada a carência para iniciar os pagamentos, o ressarcimento aos cofres públicos não foi efetuado, ou seja, “o governo emprestou o dinheiro para financiamento de pequenos empreendimentos que não existem e não teve o dinheiro de volta”.
A Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba, na AIJE que ajuizou, decreta que os fatos revelam não só o desvio no programa de empréstimo, caracterizador do abuso de poder político, mas também o desbordamento no uso de recursos patrimoniais que estavam sob a gestão do administrador, o que configura ainda o abuso de poder econômico.
Multiplicação da distribuição de recursos financeiros no ano eleitoral
A gravidade dos fatos, continua o MP, “ganha contorno quando se observa o montante liberado no ano eleitoral comparando com o ano de 2013. De 2013 para 2014 houve um incremento de cerca de 57,41% no total gasto. Ainda, observa-se que em julho de 2014, já em campanha eleitoral, houve um aumento de cerca de 117,51% na concessão de crédito com relação ao mês de junho. Em agosto, o valor liberado ficou compatível com o montante concedido em julho”.
Também foi apurado pelo Ministério Público que com relação à quantidade de beneficiários houve um aumento de cerca de 57,15% com relação ao ano de 2013. No ano eleitoral, de junho para julho o incremento foi de cerca de 63,14%. Em agosto, também de 2014, o número sofreu mais um acréscimo de cerca de 20,97%. Ainda de acordo com os dados, em setembro de 2014, o quantitativo beneficiado só perdeu, quando comparado com o ano de 2013, para o mês de dezembro, apontou o Ministério Público.
Valberto Azevedo, advogado especialista em direito eleitoral, disse que é importante ressaltar que o julgamento técnico da Corte de Contas demonstra omissão na fiscalização de falhas graves na gestão do Programa Empreender, a exemplo do não funcionamento do Comitê Gestor, que teria atribuição de avaliar os resultados e propor medidas para o melhoramento das atividades exercidas pelo programa. É importante destacar que a referida auditoria se deu logo no primeiro ano do programa, após as modificações legais em sua estrutura.
Conforme ele, o MP e o TCE, além da auditoria técnica da Controladoria Geral do Estado, apontaram falhas graves, tais como, a liberação de recursos independentemente da contra apresentação de despesas, bem como o descumprimento das exigências previstas no Edital, com a prática de juros diversos, não seleção dos candidatos com base nos requisitos publicados e a ausência de gestores técnicos para o acompanhamento junto aos tomadores de empréstimos até o pagamento total do financiamento.
“Todas estas confirmações reforça o caráter eleitoreiro do Programa Empreender que poderia ter um impacto positivo na economia da Paraíba mas que foi usado de maneira política, tanto que, durante a campanha eleitoral, foram muitas as denúncias que comprovaram que para ter acesso ao programa, facilitaria muito se o interessado mostrasse interesse em votar no candidato Ricardo Coutinho ou tivesse ligações com o partido do governador”, declarou o advogado.
Muitos alertas do órgão de controle, mas nenhuma providência foi tomada
Infelizmente, apesar dos alertas feitos pela auditoria do TCE-PB, o governo continuou nos anos seguintes com o desvirtuamento do Programa dentre elas endereços fictícios, pessoas que receberam o recurso, mudando posteriormente para local desconhecido e não sabido, atividade comercial inexistente, utilização do endereço de parentes que informam que os beneficiários possuem estabelecimento comercial em outra cidade.
Não bastasse o extenso trabalho realizado pelo TCE, a Controladoria Geral do Estado, em documento enviado aos gestores do Programa apontou “a total ausência de critérios na concessão de créditos e na fiscalização voltada à preservação do patrimônio público que confirmam uma verdadeira distribuição de recursos financeiros sem que houvesse elementos mínimos a sugerir credibilidade às ações do Governo na execução do aludido programa”. Não é demais lembrar que o parecer final da Controladoria-Geral foi, sumariamente, ignorado pelo Governo.
Já o advogado Rinaldo Mouzalas disse que concorda com a Controladoria Geral do Estado quando esta confirma “a ausência de qualquer seriedade do Governo do Estado com a correta aplicação dos créditos concedidos e, consequentemente, com a preservação do patrimônio público, haja vista a liberação de recursos sem a observância dos critérios exigidos e a total falta de fiscalização, inclusive com saques feitos em outros estados e em nome de pessoas já falecidas.
Mouzalas disse ainda que as conclusões chegadas pelo próprio órgão de controle interno do Governo do Estado suprem as reiteradas ausências de prestação de informações ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, que não recebeu os dados necessários à auditoria e evidencia a institucionalização de uma máquina de distribuição de dinheiro com fins eleitorais, já que não existe, sequer, controle e cobrança de parcela inadimplidas.
MP acusa Ricardo Coutinho por abuso de poder econômico nas eleições
Valberto Azevedo relembrou a Ação de Investigação Judicial Eleitoral promovida pelo Ministério Público que “afirmou que não houve aplicação da ação “Análise e aprovação de pleitos para a concessão de crédito”, a ficar pendente, por exemplo, “a implantação de programa de capacitação permanente voltado para a equipe responsável pela efetivação e controle dos procedimentos de análise e aprovação dos pleitos para concessão de créditos”, “implantação de procedimento padronizado para verificação e comprovação das inscrições e documentação recebida”, “implantação de procedimento padronizado para o cálculo da demanda do cliente e capacidade de endividamento”, e “implantação de procedimento padronizado para análise do pedido de abertura de processo administrativo do cliente”.
Resta demonstrado um vultoso abuso de poder econômico diante de todo o conjunto de fatos na execução do programa EMPREENDER/PB, cujas ilicitudes foram preservadas e, além disso, majoradas, ao longo do ano eleitoral, como será demonstrado. Ao concluir pela configuração de um autêntico abuso de poder econômico, o Ministério Público Eleitoral, nos autos da AIJE de nº 200751, afirmou, categoricamente por se tratar de uma distribuição de renda sem qualquer empenho do órgão estatal em buscar a sua correta instrumentalização, o que inclui o envolvimento de todo o aparato fiscalizatório em busca da correta aplicação e preservação do dinheiro público, resta caracterizado empréstimo “a fundo perdido”, uma verdadeira distribuição de recursos, (…)
Conforme entendimento do causídico, “o que se viu, a bem da verdade e da moralidade das eleições, foi uma institucionalizada distribuição de recursos públicos com fim eminentemente eleitoreiro colimado. O desvio de finalidade na execução do programa EMPREENDER/PB implicou na utilização de recursos materiais em favor das partes Promovidas, a restar evidente o abuso econômico patrocinado com recursos públicos, que retirou do pleito a necessária isonomia.
E que não se venha falar que se trataram de simples empréstimos, consistindo atos ordinários de um programa já existente há anos atrás. O que se viu foi o completo distanciamento dos regramentos necessários a tornar essa concessão de crédito um ato legal, no formato em que previa o programa EMPREENDER-PB. Na verdade, o que se viu não foram atos decorrentes do referido programa, já que seu regramento não foi seguido e os créditos, sequer, eram requeridos, “nas eleições para Governador do Estado da Paraíba de 2014, houve tudo, menos normalidade e legitimidade do pleito”.