Brasília – Numa cena diferente da que se espera ver no Congresso Nacional, os parlamentares, em vez de deliberarem a sessão conjunta da noite de ontem (2) posicionaram-se, ora estupefatos, de costas para a mesa diretora e olhando para as galerias, ora discutindo entre eles mesmos. Instalada a confusão, não teve outro jeito a não ser suspender os trabalhos para que sejam retomados nesta quarta-feira (3), enquanto seguranças tentavam tirar, com armas de choque, cerca de 30 manifestantes e deputados e senadores exaltavam-se num palavreado confuso que pouco parecia o de um representante do Legislativo.
“Vai pra Cuba”, gritou da galeria uma pessoa para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). “Seu merda”, disse o deputado Amauri Teixeira (PT-BA) para o colega Domingos Sávio (PSDB-MG). “Não encoste em mim, sou um deputado”, rebateu, da galeria, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) que foi ver o que acontecia, para um servidor da polícia legislativa.
Tudo começou quando, sob clima tenso, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) deu início à sessão conjunta do Congresso que tinha na pauta a apreciação de dois vetos presidenciais e a votação do projeto referente a mudanças nas regras de superávit dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que tem sido objeto de polêmica entre governo e oposição.
Os deputados da oposição liberaram senhas para que manifestantes pudessem assistir à votação das galerias. Durante a discussão sobre o texto, num discurso da senadora Vanessa Graziotin, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) disse que estava indignada porque tinham chamado a senadora de “vagabunda” e outras parlamentares de “safadas”. A oposição afirmou que tinham gritado “Vai pra Cuba”, como havia ocorrido anteriormente e ela tinha entendido de forma equivocada. A deputada insistiu que outras colegas também tinham ouvido o mesmo e “outras coisas piores”.
Jandira Feghali apelou ao presidente da Casa: “Isto não pode acontecer. Não podemos ser desrespeitadas desta maneira”. O deputado Espiridião Amim (PP-SC) rebateu de imediato: “Perdoamos a deputada por este ato antidemocrático de pedir para esvaziar as galerias porque sei que a senhora está movida pela emoção, mas o Congresso já viu esse tipo de coisa antes e nem por isso o pessoal foi expulso”. A confusão estava instalada.
Armas de choque
Embaixo, com os parlamentares divergindo sobre ser correta ou não a retirada dos manifestantes, o presidente do Congresso pediu para a polícia legislativa conter o pessoal mais exaltado. Foi quando os deputados Arnaldo Faria de Sá, Mendonça Filho (DEM-PE), Fernando Francischini (SD-PR), Vanderlei Macris (PSDB-SP) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) subiram para ficar na frente do grupo e discutir com os policiais. Foram usadas armas de choque e algumas pessoas chegaram a desmaiar. O professor Alexandre Seltz, que estava gritando para o plenário, foi atingido e reclamou: “Esta é a truculência da ditadura socialista que querem implantar no Brasil”.
O senador Renan Calheiros rebateu e afirmou não se tratar de manifestantes, mas pessoas “instrumentalizadas” a serviço de quem tinha interesse em tumultuar a sessão. “É lamentável que não tenhamos condições de realizar uma sessão por conta de pessoas, presumivelmente assalariadas, instrumentalizadas, que estejam provocando e tumultuando a serviço de um pequeno grupo”, reclamou Renan Calheiros. “Isso demonstra a absoluta responsabilidade que a oposição tem com o fato. Que democracia é essa que pedem e cobram diariamente? Não dá para trabalhar e conduzir uma sessão dessa forma”, acrescentou Calheiros.
Obstrução
Pouco tempo antes, o deputado Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que tinha discursado posicionando-se contra a aprovação do projeto que altera a LDO, reconheceu que a oposição tentaria impedir a realização da sessão. “O Congresso Nacional não pode ser humilhado pelo Executivo votando esse projeto. É lamentável, mas não somos um número suficiente para impedir essa aprovação, mas vamos obstruir até onde pudermos”, colocou.
O projeto que flexibiliza as metas de superávit foi objeto de reunião no Palácio do Planalto, na última segunda-feira, entre a presidenta Dilma Rousseff, ministros e parlamentares da base aliada, que chegaram a discutir a importância da sua aprovação e estratégias para a votação. O Executivo espera conseguir alterar a LDO, por meio do texto, com certa celeridade para garantir a mudança no Orçamento Geral da União para 2015. Caso não seja aprovado, ficará impedido de realizar investimentos em obras diversas, sobretudo as do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Os parlamentares de oposição, no entanto, acham que a medida pode interferir na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que limita as despesas e receitas para os administradores dos estados e municípios e gerar um efeito em cadeia no país, o que é negado pelos representantes da equipe econômica. A sessão ficou de ser retomada nesta quarta-feira (3), a partir das 10h.