Depois de 12 anos, agora é preciso dar respostas a dilemas do desenvolvimento brasileiro que nunca foram realmente enfrentados no Brasil, apesar de avanços incontestáveis em vários campos (combate à pobreza, aumento da participação dos salários na renda nacional, mais gastos públicos em investimentos e na área social, ampliação do acesso à educação superior, técnica e tecnológica, diplomacia e comércio internacional).Se Dilma acha que, depois da campanha, terá a “compreensão” de quem assegurou sua vitória no debate eleitoral, nas ruas e nas redes sociais, para fazer os acordos de sua conveniência e do grupo que lhe cerca, pode tirar o cavalinho da chuva.
Não darei ênfase aqui a questões como a reforma agrária. Vamos ficar com dois projetos para o futuro governo anunciados durante a campanha.
Dilma vai abandonar a “estratégica” reforma política? De que maneira ela pretende aprova-la no Congresso conservador que foi eleito? Como o governo pretende mobilizar seus apoiadores? Como vai convencê-los com tantas concessões pós-eleitorais a quem foi derrotado nas eleições?
E como Dilma pretende aprovar a Lei da Regulação Econômica da Mídia para acabar com o oligopólio familiar das comunicações no Brasil? Como vai enfrentar o poder da Rede Globo, Folha, Veja, Estadão, em grande medida responsáveis pelo atraso brasileiro?
São duas questões de ordem política, eleitoral e de cidadania que precisam ser enfrentadas, antes que o verdadeiro retrocesso se efetive. Ou seja, nos próximos quatro anos.
O movimento pró impeachment arrefeceu, muito em razão da direita tresloucada ter tentado assumir o comando das mobilizações, mas o clima de beligerância não deve terminar. Teremos quatro anos, se Dilma conseguir terminar seu mandato, de confronto aberto.
A espada de Dâmocles continuará pairando sobre sua cabeça por razões que ficam claras na postura que a oposição assumiu nem bem o resultado da eleição foi anunciado. O mercado financeiro também não dará trégua.
Retrocesso à vista?
Em 2005, diante da ameaça de impeachment depois do escândalo do “mensalão”, Lula iniciou um movimento de reaproximação com setores populares que se refletiu no governo.
Os paulistas perderam força (José Dirceu, Antônio Palocci, Aluísio Mercadante) e uma turma mais desenvolvimentista – Dilma à frente – passou a ter mais influência no governo.
Foi isso que alterou em parte os rumos conservadores da política econômica até então hegemônica, cuja equipe responsável Lula, com muita esperteza, nomeou para evitar que seu governo, sem meios para enfrentar ataques especulativos, naufragasse antes mesmo de completar um ano. Como, aliás, FHC esperava que acontecesse.
A crise de 2008-2009 reforçou essa ala no governo e suas opções desenvolvimentistas: mais gasto público, mais investimento privado, mais exportações para os novos mercados ditos “emergentes”, mais geração de emprego, mais renda, mais consumo.
Foi o que salvou o Brasil da maior crise econômica desde 1929, cujos reflexos continuamos a sentir ainda hoje.
Ou alguém acha que o Brasil enfrentou aquela crise, permanecendo quase imune aos seus efeitos destrutivos, especialmente sobre os trabalhadores, em razão da iniciativa dos empresários, que, esses sim, se comportam como uma manada em situações de expectativas negativas?
Antes que a crise completasse dois anos, enquanto a Europa e os EUA continuavam a ver suas economias à beira do colapso, mesmo depois de gastos de mais de 10 trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro – exatamente aquele que provocara essa hecatombe econômica – o Brasil cresceu mais de 7% em 2010.
Para a desmoralização dos propagandistas neoliberais, cujas ideias, diagnósticos e prognósticos foram solenemente desprezados por Lula no auge da crise.
Enquanto eles defendiam as receitas de sempre (corte nos gastos públicos, aumento de juros e criação de novos impostos), que conduziram às quebradeiras de 1995, 1997 e 1998, Lula fez exatamente o oposto: aumentou os gastos públicos, reduziu juros e diminuiu impostos sobre o consumo.
Foi essa política econômica que salvou o Brasil da crise e deu a vitória a Dilma em 2010, e que manteve não apenas a estabilidade, mas continuou a bater recordes de geração de emprego, distribuição de renda e combate à pobreza.
Será essa política econômica, vitoriosa nas urnas, que dará lugar à política derrotada defendida por Aécio Neves de corte nos gastos públicos, de arrocho fiscal, de juros altos?
Tudo isso para assegurar a tranquilidade de banqueiros, especuladores e receber o aplauso dos seus comentaristas econômicos?
Em 2003, ainda foi possível entender a atitude de Lula de se render à pressões do mercado financeiro, já que a margem de manobra era quase inexistente.
Mas hoje? Além de não ter mais a ingerência do FMI, o Brasil dispõe de reservas internacionais de quase 400 bilhões de dólares, além de poder contar com a ajudar do Banco dos BRICS que, entre outras coisas, foi criado para proteger as economias dos seus membros de ataques especulativos.
Além do mais, a força da economia brasileira reside cada vez mais no seu mercado interno, que cresce a cada dia.
Enfim, as razões são exclusivamente políticas para que Dilma se renda aos financistas e seus representantes na mídia e no Congresso.
E Dilma só tem a perder, porque não ganhará um só voto do outro lado, enquanto que as críticas e desconfianças abundarão entre o que asseguraram a sua vitória naquela guerra encarniçada que foi a eleição presidencial de 2014 que, como sempre, o PT sempre se apresenta mais à esquerda, para moderar o discurso no governo.
A opção de Lula foi sempre a acomodação “por cima” para evitar recorrer à mobilização popular, o que, diga-se, foi sempre uma possibilidade temida pela “elite”.
É como se ele dissesse: “Se vocês querem briga, podem ter briga. Eu prefiro a moderação.”
Só que a margem de manobra lulista está cada vez mais estreita porque os cachorros loucos da reação estão soltos. O golpismo não é mais algo mais apenas latente, ele está vivo com a clareza que só as redes sociais foram capazes de deixar à mostra.