Três palavras sintetizam a atuação profissional de Marcio Thomaz Bastos: discrição, eficiência e cordialidade.
Orador talentoso, sabia também negociar. Manejava como poucos os grandes casos, encontrando as frestas que costumam nascer do encontro entre a lei e o fato, sempre para beneficiar o destino dos seus clientes. Hábil, seus amigos brincavam que MTB, ainda no regime militar, era capaz de ser ao mesmo tempo Arena (em sua terra natal, Cruzeiro) e MDB (em São Paulo). Hábil demais, seria capaz de defender simultaneamente os interesses de Lula e de Antonio Carlos Magalhães.
Eu o conheci nos anos 80, quando o fórum criminal de São Paulo tinha um encanto provinciano que desapareceu (hoje é um território hostil) e desde então acompanhava sua trajetória muito bem sucedida de advogado e de homem público, às vezes de perto, às vezes de longe, às vezes aliado, às vezes atuando como adversário.
Inesquecível o seu embate com outro gigante da advocacia criminal, Waldir Troncoso Peres, no júri de Lindomar Castilho, transmitido noite adentro pela rádio Jovem Pan. Eu havia trabalhado no processo desde o acontecimento do crime, como jovem sócio de José Carlos Dias, que se afastara do caso quando nomeado Secretário da Justiça, e Márcio assumira o papel de representar a memória da vítima em plenário.
Iria encontrá-lo em Xapuri, no Acre, ele acusando os matadores de Chico Mendes, eu fazendo a cobertura do julgamento para a Folha: conversas cerimoniosas, com convém a jornalistas e advogados, na varanda escura, quente e úmida da casa amazônica e austera que o hospedava.
Conspiramos contra Collor. Fizemos acordos. Lembro-me, agora, de ser recebido por ele impecavelmente vestido e descalço, os sapatos entregues a algum engraxate ambulante.
Eu era presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos quando Márcio assumiu o Ministério da Justiça e tivemos que dar seguimento a um tema absolutamente sensível para o primeiro governo petista: a expectativa dos familiares das vítimas da ditadura era enorme, mas Lula, temeroso de uma crise militar, não vestia o boné dos desaparecidos políticos.
Protagonista no deslinde de grandes casos criminais nos últimos 40 anos, Marcio Thomaz Bastos pavimentou sua carreira aos poucos, percorrendo os fóruns do interior, participando de centenas de julgamentos pelo Tribunal do Júri, com ou sem honorários, fazendo política de classe na OAB. Adquiriu credibilidade antes de adquirir poder e trocar a avenida da Liberdade pela (nova) Faria Lima.
Seria responsável pela formação de gerações de profissionais que sabem enfrentar o olho do furacão. Advogados como Alberto Toron, Sônia Ráo e Dora Cavalcanti, entre tantos outros, saíram de seu escritório. Criou ainda o IDDD, Instituto de Defesa do Direito de Defesa, uma ONG que, parece, veio para ficar.
Nunca presenciei uma bravata, uma indelicadeza verbal de Márcio. Nunca soube de uma briga pública. Era um bom amigo.