A presidente Dilma Rousseff ainda descansava no Palácio da Alvorada na segunda-feira, dia 27 de outubro, depois da extenuante vitória contra o tucano Aécio Neves. Dilma estava praticamente sem voz, como mostrara no discurso da vitória, horas antes. Enquanto isso, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, telefonava para Beto Vasconcelos, o chefe do gabinete presidencial no Palácio do Planalto. Menos de 24 horas depois do resultado, Marta já insistia em conversar com Dilma para acertar o mais rápido possível sua saída do governo. Dilma recebeu Marta no dia seguinte, no Alvorada. Foram duas horas de conversa. Marta repetiu que queria sair. Dilma fez um pedido: que Marta ficasse no cargo mais alguns dias, para participar da entrega da Medalha do Mérito Cultural, no dia 5 de novembro, e esperasse para anunciar a saída após sua volta da viagem de oito dias à reunião de cúpula do G20, em Brisbane, Austrália, nesta segunda-feira, dia 17. Marta concordou.
Marta foi a primeira dos 39 ministros de Dilma a avisar que deixaria o cargo. Entre a conversa no Alvorada e a viagem de Dilma à Austrália, na segunda-feira, dia 10, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, teve uma ideia. Mercadante disse a Dilma que seria mais objetivo e prático organizar uma demissão coletiva do ministério para deixar Dilma à vontade e poupar-lhe o trabalho de falar com todos os ministros, uma das maiores equipes de governo do mundo. “A senhora conversará com 39 ministros?”, disse Mercadante, ao saber da conversa de duas horas entre ela e Marta. Se o “ritual Marta” de demissão fosse seguido, Dilma gastaria três dias com a tarefa. A seu estilo, Mercadante tomou para si a tarefa de recolher as cartas. Seu chefe de gabinete, Luiz Antonio de Mello Rebello, começou então a telefonar aos chefes de gabinete de todos os ministros. “O ministro Mercadante sugere que todos entreguem suas cartas de demissão até terça-feira, dia 17”, disse Rebello. Alguns ministros gostaram e começaram a enviar suas cartas, que ficaram guardadas na Casa Civil. Outros responderam de forma um pouco rude. Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Paulo Bernardo (Comunicações) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) se recusaram a encaminhar as cartas a Mercadante.
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Marta decidiu sair sozinha para manter o protagonismo que uma saída coletiva lhe negaria. Queria entregar seu cargo a Dilma, não a Mercadante, um colega do PT paulista com quem disputa espaço e prestígio. Por isso, às 10h30 da última terça-feira, Marta protocolou sua carta de demissão na Casa Civil, no 3o andar do Palácio do Planalto. Trinta minutos depois, às 11 horas, publicou a carta na íntegra em sua página de uma rede social. No trecho mais agudo, escreveu: “Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país”.
Marta e Dilma não conviviam bem havia tempos. Elas se aproximaram em 2009, porque o então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, pediu a Marta que organizasse eventos para apresentar sua futura candidata ao PT paulista. Ela fez jantares com petistas, empresários e socialites paulistanos para conhecerem Dilma. Viajou para os Estados Unidos com Dilma e a apresentou a seu cabeleireiro, Celso Kamura, até hoje o oficial encarregado dos fios e da maquiagem da presidente. Por essa aproximação e pelo histórico de ex-prefeita de São Paulo, Marta chegou a ser cotada para o Ministério das Cidades, quando Dilma se elegeu pela primeira vez. Ficou na fila. Só assumiu o Ministério da Cultura, uma Pasta com orçamento menor, em 2012, como consolação por não ter sido candidata a prefeita de São Paulo pela terceira vez. Teve dificuldades para obter recursos. Conseguiu aprovar o Sistema Nacional de Cultura e criar o cartão Vale Cultura. Marta foi preterida de novo numa disputa eleitoral no ano passado, quando Lula escolheu o novato Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde, para disputar o governo de São Paulo.
Marta se irritou em setembro. Na noite do dia 15, num encontro com artistas no Teatro Casa Grande, no Leblon, no Rio de Janeiro, passou pelo constrangimento de ser recebida pela plateia com frieza, enquanto um de seus antecessores – e considerado provável sucessor –, Juca Ferreira, era aplaudido e ovacionado com gritinhos. “Foi uma das maiores humilhações da minha vida”, disse Marta a colegas ministros após o evento. Para piorar, numa carreata na cidade de São Paulo, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, solicitou a Marta que descesse da caminhonete onde estavam Dilma, Padilha e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Falcão pediu a ela para ceder o lugar a seu suplente no Senado, Antonio Carlos Rodrigues, vereador com votos na região da carreata. Falcão sugeriu a ela que se acomodasse noutro carro, onde estavam ministros e parlamentares. Marta não aceitou a proposta, bateu boca com Falcão e, depois disso, desapareceu da campanha. Emissários de Lula e Dilma pediram a ela para voltar, por causa da vantagem do tucano Aécio Neves em São Paulo. Marta exigiu que Lula e Dilma ligassem pessoalmente para ela. Ela espera a ligação até hoje.
Com sua saída ensaiada, Marta atraiu a atenção que queria e provocou a confusão que desejava. Dilma foi surpreendida pela divulgação da carta – não pelo conteúdo, que já conhecia – e pela saída de Marta antes do combinado. Soube de tudo no Catar, onde seu avião parara, para que ela pudesse passar a noite e descansar da longa viagem até a Austrália, numa suíte de cerca de 700 metros quadrados. Dilma não gosta de voar à noite e, sempre que pode, viaja apenas de dia. Ao voltar da Austrália, Dilma deverá começar a mudar seu ministério, de preferência, pela equipe econômica. A maioria dos ministros sairá. Com lugar praticamente garantido estão apenas Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Ricardo Berzoini. O ainda governador da Bahia, Jaques Wagner, entrará. Marta caiu no index do PT. É possível que ela troque o PT pelo PMDB.
com Época