Gilvan Freire
No princípio da década de 1980, a Argentina já estava dominada pela Ditadura Militar, que prendia sem autorização legal, torturava sem piedade e matava sem compaixão, como acontece com todos os golpes militares em todo o mundo, inclusive já aconteceu no Brasil.
Como é também a regra tirada do manual das ditaduras, a primeira grande obra dos ditadores é anestesiar o povo, para que o governo pareça ser um instrumento da salvação diante dos inimigos da pátria, dos erros e das crises da administração. E, os inimigos, todos nós sabemos, são todos os que pensam diferente dos déspotas de plantão, ou resistem às formas de poder extralegais que eles inventam.
Outra regrinha básica dos regimes autoritários é dizer que a medida ilegal ou imoral adotada por eles é de interesse da população, afora desclassificar os que são contra, quase sempre os taxando de inimigo do bem-comum. O jogo é duro.
O General Galtierii, que era tirano-mor da Argentina naquele princípio da década escura e perdida, encurralado pela população que responsabilizava o governo pelas crises na economia e na área social, resolveu deflagrar a invasão das Ilhas Malvinas, um pequeno arquipélago situado a 500 quilômetros da costa do país, alvo de disputa com a Inglaterra desde o século XIX. O plano do idiota general argentino, que desmoralizou a farda, seu povo e o tango, era fazer um levante da nação em defesa de causa da soberania, com ameaças de invasão e guerra. E houve efetivamente uma guerra insana em que perderam a vida 649 patrícios, mas o país viveu durante o episódio um dos períodos de maior furor coletivo, nem de perto comparável aos melhores momentos de Diego Maradona, ou as mortes de Perón, Evita e Carlos Gardel.
Durante a Guerra das Malvinas, deflagrada para esconder os desastres administrativos e morais do tirano Galtieri, o trêfego e rude presidente teve as mãos e fotos beijadas pelo povo onde passava e era visto, mas a Argentina mergulhava cada vez mais nas crises. Enfim, o grandioso país perdeu a guerra inventada pela psicopatia de um ditador sedento de poder e popularidade, foi humilhado e posto fora das águas que banham as Malvinas, e o povo, deprimido, enganado e revoltado, virou-se contra o fanfarrão, que apeou-se do poder, morreu no mais perverso (e devido) ostracismo, com dezenas de processos judiciais nas costas e prisões sucessivas contra si e seus colaboradores. Também faz parte do jogo duro. Ninguém usa criminosamente o povo impunemente.
O dia do juízo final
Mas voltemos aos terrenos movediços, o shopping virtual que não tem planta nem projeto (assim como a área que não tem escritura). Atrasei o artigo para olhar a avaliação do CRECI, de que já cuidarei no próximo texto. Teremos ainda ao menos 8 ou 10 comentários sobre a matéria, que vai ficando a cada dia mais escandalosa. Já antecipo uma opinião jurídica muito honesta e leal: não há risco da permuta ultrapassar incólume o território do Judiciário, e o Tribunal de Contas, através de seu presidente, já adiantou sobre as regras e o modus operandi da Corte: “o princípio de tudo é a licitação”.
Como a jurisprudência analisa essas questões
São centenas de decisões dos Tribunais do Brasil sobre compra ou permuta de terrenos públicos por privados. Fixemo-nos, apenas, sobre alguns casos semelhantes, e bem resumidos.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVL PÚBLICA – PERMUTA DE IMÓVEL REALIZADO ENTRE MUNICÍPIO E PARTICULAR – AVALIAÇÃO JUDICIAL DOS IMÓVEIS – INOCORRÊNCIA – PRINCÍPIOS INERENTES A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – MORALIDADE, PESSOALIDADE E INTERESSE PÚBLICO – INOBSERVÂNCIA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – MANUTENÇÃO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E ART. 24, X DA LEI 8.666/1993. Se a permuta realizada com imóvel público não observou os requisitos previstos na Lei de Regência, violando, inclusive, preceito constitucional, notadamente quanto à finalidade pública do ato pretendido, deve ser mantida a sentença que julgou procedente a Ação Civil Pública manejada, para declarar nulo o ato lavrado no Cartório de Registro Civil e Notas, impedindo os Requeridos de promoverem quaisquer atos inerentes à execução da legislação municipal. (TJMG, 5ª CCível, AC nº 1.0778.03.003404-6/001, Rel. Des. DORIVAL GUIMARÃES PEREIRA, j. 30.06.2005).
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PERMUTA DE TERRENO ENTRE MUNICÍPIO E PARTICULAR – AUSÊNCIA DE AVALIAÇÃO PRÉVIA E LEI AUTORIZATIVA – ILEGALIDADE – ARTIGO 17, INCISO I, ALÍNEA “C”, DA LEI Nº 8.666/93 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO. – Ao fazer estabelecer contrato de permuta com particular, envolvendo imóvel público, sem avaliação prévia e lei autorizativa, o administrador público afrontou o artigo 17, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 8.666/93. – A Administração Pública deve praticar seus atos na conformidade com a lei, nos termos do artigo 37, “caput”, da CR/88. – Não demonstrando o autor que a permuta constante do Termo de Acordo assinado pelo mesmo, pelo então Prefeito Municipal e por empresa interveniente, revestia-se das formalidades legais, impõe-se a confirmação da sentença que julgou improcedente a pretensão de compelir o Município réu à transferência dos imóveis permutados no Cartório de Registro de Imóveis. (TJMG, 1ª CCível, AC n° 1.0056.04.075743-9/001, Rel. Des. ARMANDO FREIRE, j. 26.02.2008)
BEM PÚBLICO. PERMUTA. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. Exsurge a necessidade do procedimento licitatório para a realização de permuta de bem imóvel público por bem imóvel particular, quando não demonstrado o interesse público justificador da transação, não bastando para tanto o parecer favorável da Procuradoria do Distrito Federal. (TJDFT, 3ª Turma Cível, APC3801895, Relator VASQUEZ CRUXÊN, julgado em 16/09/1996, DJ 27/11/1996 p. 21.908)
Até sexta-feira, à tarde.
Este artigo integrará o futuro livro:
‘PREVISÕES POLÍTICAS DE UM VIDENTE CEGO’
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