Gilvan Freire
Essa troca de terrenos envolvendo o governo de Ricardo Coutinho (RC) e o empresário Roberto Santiago (RS) é uma coisa irrefletida e lastimável. Mas traz à tona uma oportunidade de a população saber como convergem certos interesses privados e outros públicos fora do alcance e da vigilância do povo. Sim, porque não basta que os governos se autoproclamem honestos e corretos, é preciso que isso seja sempre demonstrado de um lado e percebido do outro. De vez em quando, estoura uma bomba e só a partir do estrondo é que a sociedade vai compreender o que está acontecendo. É o processo já conhecido da descoberta, da revelação daquilo que, por alguma razão idônea ou inidônea, legítima ou ilegítima, legal ou ilegal, estava ocultado em segredo de poucos interessados. E enquanto durar a ocultação, os interessados terão prazer e tirarão proveito. Ocorre também, com frequência, de os interessados nem terem prazer e nem tirarem vantagens, porque simplesmente não deu tempo.
Um caso histórico de ocultação e descoberta
No princípio dos anos 60 do século passado (1961), o Ministro da Guerra da Inglaterra, John Profumo, conhecido por Jack, envolveu-se com a bailarina e prostituta londrina Christina Keeler, de 19 anos. Encontrava-se com ela às escondidas numa casa de campo suspeita pertencente ao socialite Stephen Ward, acusado de viver de ganhos imorais. O caso, denominado “Profumo Affair”, só foi revelado em 1963, quando o jornal sensacionalista Sunday Mirror publicou uma fotografia da bela e pormenorizou o escândalo. A repercussão foi devastadora na Inglaterra pelo fato de Keeler ter entre seus amantes um espião soviético – era o tempo da Guerra Fria, que tensionava o mundo. Jack Profumo foi obrigado a renunciar ao cargo comissionado da realeza. Keller foi condenada a nove meses de prisão e o proxeneta Ward se matou. Até o governo do Primeiro-Ministro Harold Maemillan caiu depois, e o caso foi tema de filmes, biografias e musicais. A prostituta granfina ainda vive em Londres e Profumo morreu em 2006, aos 91 anos, depois de haver se dedicado à filantropia e ter recebido o perdão dos ingleses, pois não ficou provado que tenha passado à amante segredos do Estado.
Quando Profumo anunciou sua renúncia, um repórter buliçoso abordou-lhe: “– Ministro, que grande problema este em que o senhor se meteu, hein?”. John Profumo reperguntou: “- Que problema?”. Adiantou o repórter: “- Este da amante, ministro!”. Foi aí que o sábio e imprecavido Jack Profumo professorou: “- Meu caro, o problema nunca foi a amante, o problema foi ter sido descoberto”.
Nesse caso dos terrenos movediços e o shopping virtual que transitou pelos canais oficiais na penumbra, como a bailarina e o ministro naquelas noites londrinas de 1961 a 1963, o problema é ter sido descoberto. Senão vejamos:
O troca-troca, o crime e a pressa
Quinta-feira, 15 de junho, aporta na Assembleia a Mensagem nº 033, do governador Ricardo Coutinho, encaminhando para apreciação o Projeto de Lei nº 277/11, que já entra em pauta de votação na segunda-feira próxima, dia 19. O presidente do Poder, Deputado Ricardo Marcelo, advertido por setores da sociedade, retira o projeto da pauta. Estabelece-se a celeuma.
O Projeto de Lei pede autorização da Assembleia para que o governo possa permutar um terreno do Estado, medindo oito hectares e meio, situado em Mangabeira, por outro, pertencente a uma empresa chamada Futura Administração de Imóveis Ltda., que mede a metade (4,32 ha), situado no Conjunto Ernesto Geisel.
Diz o Projeto que “o imóvel recebido por permuta pelo Poder Executivo destina-se a abrigar equipamentos públicos da área de segurança e defesa social do Estado”, conforme o parágrafo único do artigo 1º.
No art. 2º está escrito: “Após avaliação dos imóveis feita pela Comissão Permanente de Avaliação do Estado, pertencente à Superintendência do Plano de Desenvolvimento do Estado, em havendo diferença pecuniária em favor do Poder Executivo, esta deverá ser paga, acrescida de valor igual a, no mínimo, 100% (cem por cento) daquela, a título de doação, em bens, obras, serviços ou valor pecuniário, que integrarão o patrimônio estadual”. E o parágrafo único do mencionado artigo consigna “Os bens, obras, serviços ou valor pecuniário a que se refere o caput deste artigo deverão ser revertidos para as ações de segurança pública e defesa social da Paraíba”.
Como se vê a troca dos terrenos ainda não tem e nunca teve a avaliação dos bens. Como particulares trocariam bens sem conhecer o valor de cada qual? Imagine-se, então, bens públicos, que não pertencem ao governador, e sim ao patrimônio público (do povo). Moral da moral e da história: não é necessária apenas, é obrigatória, indispensável a avaliação dos bens, sob pena de nulidade do ato, que tenha ou não tenha autorização da Assembleia. E a avaliação há de ser prévia, e não depois.
Mas essa operação tisnada foi concebida com base nos arts. 17, I, c, c/c o art. 24, X, da Lei das Licitações (Lei 8666/93), que rege esse tipo de procedimento.
O art. 17 dispõe: “A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:” e o inciso I exige: “I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:”. Já a alínea c retira da licitação a “permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei”. E esse tal art. 24, que tem vários incisos e situações, prega: “É dispensável a licitação: … X – para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia”.
Ou seja, a avaliação prévia é peremptória, e no caso do shopping da boa vontade, não houve. Outra exigência é a justificação, conforme está escrito no artigo 17. Ora, veja-se, a justificação é para demonstrar que o imóvel é “destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha”, segundo exige o inciso X do prefalado art. 17.
Mas, o que significam essas “finalidades precípuas da Administração”, etc e tal? Explico: somente pode haver essa dispensa de licitação quando o imóvel transacionado é destinado à construção, por exemplo, de uma rua, uma rede de água, esgoto ou energia, uma estrada, um viaduto, um gasoduto, uma adutora e outras benfeitorias dessas que não podem ser construídas noutro terreno e noutro lugar, e sim por onde a obra inteira vai passar. Entenderam?
Se, porém, for uma dessas obras que podem ser construídas em qualquer lugar adequado, como escolas, hospitais, Central de Polícia, Academia de Polícia, batalhões militares e outras do gênero, aí a regra é aquela, que está contemplada no inciso I, do artigo 17, integralmente, que não custa repetir, tratando-se de alienação de bens imóveis públicos: “… dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos”.
Esta regra é da mais absoluta moralidade, para evitar que se invente situação camuflada, cheia de aparente boa intenção, só para escapar da severidade da lei e causar prejuízo ao patrimônio público.
Meditemos, contudo, sobre isso, em princípio. No próximo artigo vamos colacionar o entendimento dos doutos e da jurisprudência dos Tribunais. Não há entre eles voz discordante, mas entre nós paraibanos há, por outras razões menos legais e demasiadamente imorais. E não se permita o desvio dessa discussão, porque, depois, somente depois, voltaremos às razões que estão por trás de transação escura. Até sexta-feira.