“Já comeu seu cacto, filho?” pode se tornar uma pergunta comum em alguns anos. Ou pelo menos essa é a aposta da FAO – órgão das Nações Unidas dedicado à alimentação e à agricultura. Em uma reunião em Roma, em 30 de novembro, especialistas concordaram que as opúncias – cactos típicos do continente americano, que têm uma carinha suculenta e são considerados pragas em outros países – têm potencial para resolver muitas crises de fome nas próximas décadas.
Entre as 300 espécies do gênero Opuntia, a mais cotada é a Opuntia ficus-indica, chamada popularmente de figueira-da-índia e comum em regiões semi-áridas como a caatinga brasileira e os desertos do México. Comê-la não é novidade: segundo relatos históricos, essa opúncia era um item essencial da economia asteca no período pré-colombiano, e já é utilizada intuitivamente como alimento de emergência para animais e seres humanos de vários países – inclusive a África do Sul, que não é habitat natural da espécie.
No começo de 2015, mais de 200 mil pessoas perderam suas plantações graças a uma seca no sul da ilha de Madagascar – e foram salvas pelos frutos do cacto. Em outras ocasiões, os esforços de erradicação da espécie, considerada nociva para a agricultura quando se reproduz fora de controle, impediram populações de se alimentarem da figueira-da-índia quando a agricultura não colaborou. Por sua capacidade de crescer em solos secos, com poucos nutrientes, ele pode ser uma arma importante para combater a erosão – além de fornecer alimento imediatamente, colabora com o plantio futuro de outras espécies.
“A mudança climática e o risco maior de secas são razões importantes para promover este cacto humilde ao status de um cultivo essencial em muitas áreas”, afirmou Hans Dreyer, diretor da divisão de produção de plantas da FAO. Um livro sobre a planta foi atualizado e está disponível online gratuitamente. Além de conter dados genéticos e nutricionais importantes para começar um plantio sistemático e controlado do cacto, ele também dá dicas de culinária importantes para consumi-lo sem se espetar.
No México e no sul dos EUA, os ramos jovens – mais gordinhos e ainda sem espinhos – são uma iguaria há muito tempo. Há quem prefira comê-los depois de adultos, mas aí é mais fácil de se espetar. Eles são chamados de nopalitos e são o principal ingrediente de várias receitas de salada. O consumo per capita de nopalitos é de 6,4 kg, e eles ocupam 3 milhões de hectares. No vídeo abaixo, um coletor de cactos experiente mostra como extrair os ramos da planta com o auxílio de galhos – e então retirar os espinhos com uma faca para comer na hora.
Outra opção é comer seus frutos. Nem a planta em si nem seus frutos são altamente nutritivos – além de água e sais minerais, a vitamina C e o magnésio são seus principais destaques. Mas em situações de seca extrema, a simples oportunidade de se manter hidratado pode fazer a diferença.
Se você é do Brasil, é pouco provável que já tenha experimento o fruto de um cacto do gênero Opuntia (em alguns países do Mediterrâneo, ele serve até para fazer licor). Isso não significa que você nunca tenha comido outros cactos. Sabe a pitaia, que está cada vez mais famosa? Pois é, a fruta de aparência escamosa não dá em árvore, mas em cacto. Ficou com vontade? No vídeo abaixo, com a devida proteção, dá para aprender a tirar os espinhos em relativa segurança. Quanto ao gosto, quem comeu diz que lembra quiabo (e tem inclusive baba). Parece bom.
Em 2009, uma pizzaria da Chapada Diamantina foi destaque na imprensa após criar uma receita que inclui requeijão, bacon e palma – nome dado às opúncias em vários estados do Nordeste, onde são razoavelmente fáceis de encontrar (tanto como recurso de emergência nas secas quanto na preparação de pratos locais). O resultado ficou lindo, e parece muito gostoso. Segundo a ONU, o Brasil já tem 500 mil hectares de plantação de palma, muitos dedicados à alimentação do gado.
Fonte: Superinteressante
Créditos: Bruno Vaiano